Pagando a aposta pro meu primo. PARTE 63
Algumas Semanas Depois...
Eu, Letícia e minha mãe fomos até uma conceituada loja de noivas no centro da cidade. O vestido que ela escolheu era um clássico estilo princesa, mas com um toque moderno: decote delicado e costa pelada, equilibrando perfeitamente o romântico com o sexy.
— Você vai arrasar, Lê, falei, enquanto ela girava na frente do espelho, radiante.
Aproveitei que estávamos ali e resolvi experimentar alguns ternos, já que seria padrinho. Entre um modelo e outro, me vi parado diante do espelho, analisando meu reflexo no terno azul-marinho. Foi então que o pensamento invadiu minha mente como um soco no estômago:
Será que Anderson vai me achar bonito nessa roupa?
O choque de realidade veio em seguida. No casamento do meu irmão, eu veria Anderson pela primeira vez desde o nosso término. E não só isso: seria a primeira vez que eu, Manuel e ele estaríamos no mesmo local, sob o mesmo teto, desde que tudo desmoronou.
Minha mãe deve ter percebido minha expressão perdida.
— Tudo bem, filho?
— Tudo ótimo, menti, ajustando o colarinho no espelho.
Mas a verdade era que, por trás daquele terno impecável e do sorriso perfeito, meu coração batia acelerado. O casamento seria um recomeço para Ricardo e Letícia... mas e para mim?
Enquanto minha mãe, indecisa, experimentava vários vestidos, Letícia se aproximou de mim com seu jeito discreto e disse:
— Eu sei... Nem precisa falar de quem você lembrou agora.
Ri, balançando a cabeça.
— Nem me fale... Já se passaram quase quatro meses e ele ainda me vem à mente.
— É assim mesmo — ela deu de ombros. — Tem coisas que a gente não controla.
Suspirei, voltando o olhar para o espelho.
— Estou na dúvida de qual terno escolher, e aí me peguei pensando se ele vai gostar de me ver assim.
Letícia riu.
— Claro que vai! E, depois, vai bater o arrependimento de ter te deixado.
Mostrei para Letícia os ternos que tinham chamado minha atenção. Ambos eram slim, um em cinza claro e o outro em azul bebê.
Ela gostou dos modelos, mas logo me alertou sobre um detalhe importante: a cor da madrinha que entraria comigo. Segundo a regra do casamento, os trajes deveriam combinar.
O problema era que eu nem sabia quem faria par comigo. Minha cunhada ficou encarregada de escolher as madrinhas, enquanto meu irmão escolheu os padrinhos. Então, sem essa informação, eu não tinha como decidir a cor do meu terno.
Ainda faltava um tempinho – pouco, mas ainda assim havia tempo – então preferi esperar. Era o casamento dela, e pressioná-la para revelar logo não parecia certo. Seria no ritmo dela, do jeito dela.
Duas semanas antes do grande dia, a casa virou um verdadeiro pandemônio. Todo mundo corria de um lado para o outro, resolvendo os últimos detalhes. Eu, sinceramente, não entendia por que diabos Letícia cismou em fazer as lembrancinhas à mão. Era muito mais fácil pagar para alguém fazer! Mas ela queria algo personalizado, feito com carinho.
E, como já era de se esperar, sobrou para mim ajudar.
As lembrancinhas eram porta-retratos delicadamente decorados com arabescos e pequenas flores. Ficaram lindos, admito. Mas eu paguei um preço por isso: perdi a conta de quantas vezes queimei os dedos com cola quente.
A ideia era que cada convidado recebesse um porta-retrato com sua própria foto. Por isso, ao confirmar presença, pedíamos que enviassem uma imagem. Os que não mandaram a tempo, bom... acabaram recebendo um retrato dos noivos.
Quando Letícia me perguntou qual cor de terno eu queria usar, respondi sem pensar: azul claro. Ela sorriu e disse que tudo bem, que pediria à amiga que faria par comigo para usar um vestido azul também. Simples assim. Mais uma coisa resolvida na longa lista de preparativos.
Alguns dias depois, Ricardo veio conversar comigo sobre Manuel. Ele parecia inquieto, como se ensaiasse aquela conversa há um tempo.
— Cara, tô meio receoso com a presença do Manuel na festa… Sei lá, tenho medo de rolar alguma confusão. Até pensei em desconvidar.
Revirei os olhos e soltei um riso curto.
— Ah, para com isso, Ricardo. Você vai desconvidar um amigo, alguém por quem você tem consideração, só por causa do que aconteceu entre mim e ele? Isso é bobeira.
Ele me olhou, ainda com um certo peso na expressão, mas ficou em silêncio.
— O que eu vivi com Manuel e o que ele significa pra mim não podem ser o que define essa decisão. Isso é entre vocês dois.
Ricardo respirou fundo, como se estivesse processando minhas palavras, e por fim assentiu devagar.
— Tá certo. Você tem razão.
Ricardo ficou me olhando, pensativo. Eu sabia que ele estava pesando os prós e contras, mas, para mim, essa preocupação dele não fazia sentido.
— Você já deixou claro pra ele que se fizesse qualquer coisa o problema seria contigo — continuei. — Digo e repito: Manuel não é bobo. Ele sabe que ali só vai ter gente da nossa família, ele não vai querer arrumar confusão num ambiente desses.
Ricardo cruzou os braços, mas não respondeu de imediato.
— E tem mais — acrescentei. — Manuel pode até bancar o durão, mas ele tem medo do Anderson. Você sabe disso.
Ele soltou um riso discreto, balançando a cabeça como quem reconhece que eu estava certo.
— Verdade… Nunca vi ele encarar o Anderson de frente.
— Pois é. Então para de viagem e mantém o convite.
Ricardo suspirou fundo, como se estivesse tirando um peso das costas, e enfim decidiu:
— Tá certo. Manuel continua na lista.
Era isso. Ele já tinha tomado sua decisão, e o assunto estava encerrado.
Depois que me mudei para a casa dos meus pais, senti um alívio imediato. Aquela casa de Pedro, que antes me servia de refúgio, tinha se tornado um peso. Saber que Manuel estava usando aquele lugar para me pintar como um aproveitador foi o suficiente para me fazer querer sair dali o mais rápido possível. No fundo, eu sabia que aquilo não era verdade, mas, ainda assim, não queria permanecer num ambiente que carregava essa energia.
Minha relação com Pedro, tanto profissional quanto de amizade, só melhorou. Sem Manuel como um ponto de conexão — ou de conflito —, nossa dinâmica ficou mais leve. Ele não era mais mencionado, e isso tornava tudo mais simples. Eu, no entanto, continuava adiando os happy hours com Pedro, sempre com a desculpa da correria e da proximidade do casamento do meu irmão. Ele entendia, claro. Mas, no fundo, eu sabia que estava evitando esses encontros por outro motivo: o filho dele. O assunto poderia surgir, e eu não estava pronto para lidar com isso.
Já Daniel… Ele era um caso à parte. Ao mesmo tempo que me provocava um desejo absurdo, também era um enigma. Um homem desapegado, difícil de entender. Desde nossa última transa, mal nos falamos. Apenas curtíamos as postagens um do outro, sem grandes interações. Pensei até em sugerir ao meu irmão que o convidasse para o casamento, mas logo descartei essa ideia. Seria pedir para o caos se instalar. Com Amanda e Anderson presentes, não precisava de mais um fator de tensão na equação. Meu irmão já estava lidando com a questão de Manuel da melhor forma possível, tentando evitar qualquer confusão. Não seria eu quem colocaria mais lenha nessa fogueira.
Na semana do casamento, passei na loja de noivas e aluguei o terno azul-claro. Não fazia sentido comprar algo que ficaria apenas ocupando espaço no guarda-roupa depois. Era mais prático assim.
Eu sabia que muitos dos meus amigos haviam sido convidados. Ricardo queria seu casamento cheio, movimentado, um evento para ser lembrado. A festa aconteceria em um sítio diferente daquele que costumávamos alugar para as confraternizações de fim de ano. Desta vez, escolheram um espaço voltado exclusivamente para eventos. Era enorme, com uma estrutura impecável para casamentos: um salão amplo, decorado com lustres elegantes, jardins bem cuidados, um lago ao fundo refletindo as luzes da festa e um pergolado branco perfeito para a cerimônia ao ar livre. Tudo pago pelo pai da noiva, que fez questão de proporcionar um dia inesquecível para a filha.
Na quinta-feira, depois do trabalho, sentei-me para jantar com a família. Como sou perceptivo, logo notei Ricardo inquieto. Mas resolvi não perguntar. No lugar dele, eu também estaria assim. O casamento era no sábado, era natural que estivesse nervoso.
Poucos minutos depois, enquanto eu, ele e Letícia estávamos na sala, meu irmão enfim falou:
— Eu não sei se você vai gostar de saber, mas... Anderson já está em Volta Redonda.
A notícia me travou.
Ricardo tentou justificar:
— Ele chegou hoje à tarde e me ligou. Nem sei se era pra ter te contado isso.
Respirei fundo e respondi, tentando soar indiferente:
— Tá de boa, Ricardo. Nada demais você me contar isso. Aliás, uma hora ou outra ele chegaria, certo?
Fiquei mais um tempo com eles, tentando disfarçar o turbilhão de sentimentos que aquela informação despertou em mim. Mas a verdade é que eu estava inquieto.
Quando decidi subir para o meu quarto, Ricardo foi sincero:
— Ele vai te ligar. Pode não ser hoje, mas vai te ligar. Ele me disse que ligaria.
Pronto. Agora minha ansiedade tinha atingido um novo nível. Dei de ombros, como se não me importasse, mas, por dentro, meu coração já estava acelerado. Subi as escadas devagar, que naquele momento pareciam infinitas.
Quando entrei no quarto, fui direto desbloqueando o celular para ver se havia alguma mensagem ou ligação. Nada.
Abri o WhatsApp e, no status, lá estava ele. Uma foto linda, sorrindo, com a legenda: "Em VR pra casar o primo."
Fiquei um tempo olhando para aquilo, sentindo um misto de sentimentos. Poderia reagir, poderia comentar… Mas decidi não fazer nada. Melhor assim.
Só que parecia que ele estava apenas esperando que eu visse o status para agir. Logo depois, chegou uma mensagem.
Anderson: Renato, como você viu, estou em VR para o tão esperado casamento! Mas espero que nessa minha curta temporada a gente possa conversar.
Olhei a tela por alguns instantes antes de responder.
Eu: Acabei de ver! O casamento finalmente vai acontecer. Use seu tempo para curtir seus pais, era uma coisa que você tanto queria. Sim, a gente pode conversar.
Mas quando? – Ele quis saber.
Respirei fundo antes de responder. Não queria prolongar aquilo, mas também não queria deixar espaço para mal-entendidos.
Eu: Gostaria que essa conversa acontecesse depois do casamento.
Demorou alguns segundos, mas ele respondeu:
Anderson: Entendo. Respeito isso.
E foi só. Nenhuma tentativa de insistência, nenhuma pergunta a mais. Apenas isso.
Coloquei o celular de lado e tentei afastar a ansiedade que já começava a crescer dentro de mim. O casamento seria no sábado. Até lá, eu precisava manter o foco no que realmente importava.
Trabalhei até quinta-feira, já que o Pedro, com muita generosidade, me deu folga na sexta e no sábado — véspera e dia do casamento. Ele disse que era para eu me organizar, descansar e aproveitar cada instante desse momento tão especial. E foi exatamente o que fiz: tirei um tempo para cuidar de mim. Nada de salão; preferi um preparo mais íntimo e pessoal. Cuidei dos detalhes sozinho, do cabelo ao brilho da pele. Um ritual silencioso que, além de me deixar pronto por fora, me ajudou a acalmar por dentro.
No sábado, o tão esperado dia, Letícia acordou cedo e seguiu para o salão para viver o seu dia de noiva, como ela mesma havia planejado. Lá, encontrou os pais e passou a manhã ao lado deles. Ela queria ter esse momento especial antes da cerimônia — e eu achei isso muito bonito da parte dela.
Enquanto isso, eu e minha família fomos direto para o sítio. A ideia era acompanhar o andamento da organização, deixar nossas coisas no quarto reservado e já ir nos preparando com calma. E foi ali, assim que cheguei, que algo me encantou profundamente: o lugar era simplesmente deslumbrante.
O sítio era um verdadeiro paraíso escondido, cercado por árvores imponentes e abraçado por uma natureza generosa. O gramado, perfeitamente aparado, parecia ter sido desenhado com régua. Um salão de festas envidraçado deixava a luz natural entrar e refletir o verde ao redor, criando uma atmosfera leve e elegante. A passarela branca conduzia até um altar montado ao ar livre, decorado com folhagens exuberantes e flores ornamentadas em tons suaves, que exalavam um perfume discreto e acolhedor. Cada detalhe parecia ter sido pensado com carinho, como se o próprio espaço dissesse: “Aqui se celebra o amor.” Estava tudo impecável. E, sinceramente, dava pra ver que o pai da noiva não economizou. Era um cenário de tirar o fôlego.
À medida que a hora se aproximava, a ansiedade parecia tomar conta do meu irmão Ricardo. Ele andava de um lado para o outro, falava rápido, checava o relógio a cada cinco minutos.Parecia que a tensão dele tinha passado pra mim, porque em determinado momento eu também já não me aguentava de ansiedade. Meus pais, percebendo nosso estado, mandaram que começássemos a nos arrumar — e isso realmente ajudou a acalmar os nervos.
Depois de pronto, fui ajudar Ricardo com a gravata. Ele estava lindo.
— Uau! Se você não fosse meu irmão, eu te pegava! — brinquei, tentando deixá-lo mais relaxado.
Ele riu e, olhando para o espelho, respondeu:
— Também gostei! Você também no estilo.
Me aproximei e comecei a arrumar a gravata dele. Até que ele me olhou nos olhos. Não foi preciso dizer nada. Parecia que havia uma espécie de telepatia entre nós. Um pensamento compartilhado, silencioso, que nos levou diretamente para a infância — quando ele me protegia, me defendia, quando a gente brincava. E ali estava ele, prestes a se casar. A vida estava mudando diante dos meus olhos.
Nos abraçamos e choramos. Foi um momento especial.
Em seguida, ele aproveitou a emoção e foi até o quarto onde meus pais estavam. Demorou um pouco lá, e eu respeitei. Sabia que aquele momento era só deles — e, sem dúvidas, único. Quando os três saíram, os olhos denunciavam: todos haviam chorado.
Estando todos prontos, seguimos para o ponto do sítio onde estava combinado o encontro dos padrinhos. Assim que chegamos, meus olhos começaram a varrer o local à procura dele. Cadê Anderson? Procurei entre os rostos, os trajes, os grupos de conversa. Em vão.
A madrinha que entraria comigo se chamava Francine, uma amiga de Letícia. Foi ela quem deduziu que eu seria seu par, já que usava azul. O vestido dela era num tom azul um pouco mais escuro que o meu terno — e ela estava linda.
Assim que me viu, apontou para a cor da roupa e sorriu:
— Acho que é com você que eu entro, né?
Fomos nos conhecendo ali mesmo, entre sorrisos e trocas rápidas de conversa.
Ricardo então apresentou a cerimonialista, Melissa, e pediu que todos prestassem atenção no que ela fosse orientar, pois tudo aquilo era importante para o bom andamento da cerimônia. Melissa se aproximou com uma prancheta na mão:
— Tem um casamento para acontecer, e vocês são parte essencial disso — disse com firmeza e leveza. Em seguida, começou a chamar os nomes e organizar os pares em fila.
Pra variar, fui o primeiro da lista. Me posicionei, e ela continuava chamando os nomes... nada do Anderson.
E eu me perguntava, aflito: Cadê o Anderson? Até que, finalmente, o nome dele foi dito.
— Pronto! Ninguém faltando! — anunciou ela, satisfeita.
Instintivamente, virei para trás. E lá estava ele. Entre os últimos da fila. Me olhando. Me acenando. Com aquele sorriso que eu conhecia tão bem.
Meu coração deu um pulo. Me contive. Apenas retribuí o aceno — um gesto contido, mas carregado de tudo o que não podia ser dito.
Melissa então se dirigiu a Ricardo:
— Quando estiver pronto, me avise. Só vou verificar se está tudo certo com os convidados e com a noiva.
Ricardo assentiu. Se colocou à frente de todos, de mãos dadas com minha mãe. Eles se abraçaram.
— Eu te amo, mãe — disse ele, com a voz embargada.
Impossível não me emocionar.
Logo em seguida, Melissa voltou e confirmou: tudo pronto. Meu irmão respirou fundo e disse:
— Pode começar.
A música começou a tocar. “All of Me”, de John Legend. A escolha foi perfeita. A melodia delicada e intensa preenchia o ambiente como uma carícia. Era como se cada nota estivesse ali para nos lembrar o que estávamos celebrando.
Ricardo começou a caminhar. Ao seu lado, nossa mãe, emocionada, o acompanhava com passos suaves e firmes. Os olhos marejados de ambos tocavam quem os via. Era uma cena que mexia com o coração.
Todos se levantaram. Os olhares seguiam os dois com ternura e respeito. Era impossível não se emocionar.
Quando eles chegaram ao altar, sob o comando atento de Melissa, chegou minha vez de entrar com Francine. Meu coração estava apertado, a música não ajudava a conter a emoção — mas foi lindo. Um a um, os padrinhos foram entrando e se sentando nos lugares que nos foram reservados. E ali, cada passo, cada olhar, cada gesto parecia selar a importância daquele momento.
Um breve silêncio reinou, e então, os primeiros acordes de “Halo”, da Beyoncé preencheram o ar.
Todos se voltaram novamente, agora para ver a entrada do pajem e da daminha. Uma cena digna de suspiros: ele, com terno claro e um semblante sério, como se carregasse uma missão importantíssima; ela, com um vestidinho branco rodado, flores no cabelo e um sorriso tímido, mas encantador.
O pajem era filho de uma prima da Letícia — Já a daminha era filha de um vizinho nosso, que fez questão de permitir a participação da pequena. Caminhavam lado a lado, em passos pequenos, ele com uma plaquinha onde estava escrito: “Finalmente o milagre se realizou”, o que arrancou gargalhadas de todos e ela com uma cestinha com pétalas que eram jogadas no chão.
O público se derretia. Era impossível não sorrir diante daquela pureza. As câmeras registravam, os olhos brilhavam.
E então...
O som cessou.
Um novo silêncio se instalou, mais denso, mais tenso. A entrada da noiva.
Mas ninguém sabia de onde ela viria.
Os convidados se entreolhavam, curiosos. Alguns se levantaram discretamente, tentando adivinhar qual caminho Letícia faria. O suspense pairava como uma névoa suave, tornando cada segundo mais intenso.
E então, o silêncio foi cortado pelos primeiros acordes da Marcha Nupcial. A música ecoou com imponência. Era o clássico. Ela não havia aberto mão. Fazia questão — e com razão. Aquele era o seu momento.
Foi quando, entre as árvores, envolta pela luz do fim de tarde que Letícia surgiu. Maravilhosa. O vestido branco parecia brilhar suavemente, refletindo o sol e o amor de quem o usava.
Ao seu lado, o pai — visivelmente emocionado. Ele tentava conter as lágrimas, mas o rosto entregava tudo. Era o dia em que entregaria sua menina ao homem que ela escolheu amar.
Todos se levantaram. O lugar ficou em silêncio. Absoluto.
Era como se o tempo tivesse parado.
Os olhos de Letícia cruzaram o caminho até encontrar os de Ricardo. E ali, naquele instante, o mundo se calou para eles.
A cada passo, Letícia deixava um rastro de emoção e beleza. E quando chegou ao altar, segurando com firmeza a mão do pai, Ricardo a recebeu com um sorriso que misturava nervosismo e deslumbramento.
O pai dela olhou para o genro, respirou fundo e, com lágrimas nos olhos, entregou sua filha. O gesto era simples, mas carregava décadas de amor, proteção e cuidado. Ele pegou a mão de Letícia e, com um olhar que dizia tudo, colocou-a na mão de Ricardo.
Foi um momento comovente.
E assim, diante dos olhos de todos, a cerimônia começava.
Quem conduziu a cerimônia foi uma celebrante contratada — dessas profissionais que sabem costurar as histórias dos noivos com leveza e sensibilidade, sem se prender a rituais religiosos. Não era pastora, nem juíza de paz, era uma mulher sorridente, de fala suave, com um olhar que parecia acolher a todos ali.
Ricardo, na verdade, queria muito que fosse um pastor quem celebrasse seu casamento. Ele tinha um carinho grande por um em especial, que o acompanhava desde a adolescência. Mas, juntos, ele e Letícia pensaram melhor. Nenhum dos dois era evangélico de fato, e sabiam que talvez o tom da cerimônia pudesse acabar excluindo algumas pessoas que ali estariam — inclusive eu.
Preferiram, então, pagar uma celebrante que pudesse trazer uma mensagem leve, universal, que falasse de amor, cumplicidade e respeito. E foi exatamente isso que ela fez.
Ela contou, de forma breve e bonita, como eles se conheceram, os desafios do relacionamento, as escolhas que os trouxeram até ali. Fez pequenas pausas para sorrir com os noivos, para olhar nos olhos deles, como se lembrasse que aquele instante era único, só deles.
Não houve pregação, nem julgamentos, nem aquela formalidade cansativa. Só palavras que aqueciam, que uniam. Palavras que fizeram os olhos brilharem e os corações se reconhecerem.
E, ali no meio daquele cenário encantado, rodeado de árvores, flores e amigos, eu também me deixei tocar. Não por saudade ou nostalgia, mas por algo mais suave: uma vontade de acreditar de novo. Que amar vale a pena. Que recomeçar não é fraqueza. E que mesmo com as dores que a vida traz, o amor ainda pode ser bonito.
Enquanto a celebrante falava sobre o sentimento do amor — suas fases, suas dores e, principalmente, sua força —, algo em mim se desconectou do resto por um instante. Era como se aquelas palavras estivessem ecoando direto no meu peito, e não apenas no ambiente.
Foi quando, sem querer, olhei de lado e percebi: Anderson não tirava os olhos de mim.
Ele não disfarçava, não fingia estar distraído. Era um olhar fixo, carregado de lembrança, talvez de saudade, talvez de culpa, talvez só de vontade de estar ali, comigo, de novo. Eu tentei manter a compostura, olhei rapidamente para frente como se nada tivesse acontecido, mas meu coração já tinha sido puxado por aquele instante.
Por dentro, eu era só confusão: entre o que foi, o que poderia ter sido e o que ainda insistia em se fazer presente mesmo depois de tudo. Por fora, um sorriso contido, respeitando o momento do meu irmão, mas sentindo que aquela cerimônia estava mexendo com mais histórias além da dos noivos.
A celebrante continuava falando do amor que é escolha, do amor que perdoa, do amor que transforma.
E ali, cercado de flores, de promessas e de um céu que começava a mudar de tom com o fim da tarde, eu me perguntei em silêncio: será que o amor, mesmo partido, ainda sabe encontrar seu caminho de volta?
De repente, a trilha mudou. E ao som doce e clássico de Como é grande o meu amor por você, e aquela mesma garotinha, dessa vez entrou devagarinho, os olhos atentos ao caminho e as mãos segurando com cuidado a caixinha com as alianças.
Ela parecia um anjo caminhando com um propósito sagrado. E eu, já emocionado por tudo, não consegui conter o sorriso. Aquela pureza, aquele gesto tocou algo fundo em mim.
Mas a ternura daquele momento foi interrompida quando, ao lado oposto do espaço, cruzei os olhos com Manuel.
Ele estava ali. Sério. Inquieto. Seus olhos fixos nos meus. E por um instante, o tempo pareceu parar de novo. Nossos olhares se encontraram — um encontro silencioso, tenso, carregado de histórias que só nós dois sabíamos. Mas eu não sustentei. Desviei. Aquilo não era sobre nós. Aquilo era sobre meu irmão e Letícia. Sobre o amor deles.
A celebrante, então, deu os passos finais da cerimônia. Seu tom era leve, mas firme. Ela olhou para os dois e, com um sorriso que abraçava o momento, fez a pergunta mais esperada:
— Ricardo, você aceita Letícia como sua legítima esposa, prometendo amá-la, respeitá-la e ser seu companheiro em todas as fases da vida?
Meu irmão respirou fundo, os olhos marejados, e respondeu:
— Aceito. Com todo meu coração.
A celebrante então se voltou para Letícia:
— Letícia, você aceita Ricardo como seu legítimo esposo, prometendo amá-lo, respeitá-lo e ser sua companheira em todos os dias, sejam fáceis ou difíceis?
Ela sorriu, emocionada:
— Aceito.
Os dois se entreolharam com aquele olhar que só quem ama de verdade consegue sustentar. O silêncio tomou conta por um segundo, até que a celebrante, com um brilho nos olhos, disse:
— Podem trocar os votos.
Ricardo tirou um papel dobrado do bolso do paletó e começou a ler, com a voz embargada. Palavras simples, sinceras, sobre como conheceu Letícia, sobre os dias difíceis, as conquistas e a certeza de que queria viver ao lado dela.
Letícia, por sua vez, tirou uma pequena folha do decote do vestido, arrancando risos dos convidados, e também leu. Falou do medo que sentia no começo, da certeza que foi crescendo e do quanto admirava a generosidade e o coração de Ricardo.
Foi impossível conter as lágrimas. E naquele instante, eu não pensava mais em Anderson, nem em Manuel, nem nos olhares que vinham de qualquer lugar. Só me permiti sentir. Porque ali, diante de mim, duas pessoas estavam celebrando o amor e eu era testemunha disso.
A celebrante sorriu ao ver os dois trocando olhares tão carregados de emoção. O momento era deles, e tudo ao redor parecia secundário. Com um tom caloroso e firme, ela finalizou:
— Diante de todos aqui presentes, com as promessas feitas e o amor que compartilham, eu os declaro marido e mulher.
A emoção transbordou em sorrisos e lágrimas. Ricardo e Letícia não esperaram a permissão formal para o beijo; ele segurou o rosto dela com carinho e a beijou de forma doce, mas intensa, arrancando aplausos e gritos animados dos convidados. O som das palmas misturava-se com o riso emocionado de Letícia, que segurava as mãos do meu irmão como se não quisesse soltá-las nunca mais.
Uma chuva de pétalas brancas foi lançada ao ar enquanto os dois seguiam pelo corredor principal, agora oficialmente casados.
O coração ainda acelerado pela cerimônia, me permiti olhar ao redor. Anderson sorria, parecendo relaxado e imerso no momento, até Manuel parecia mais leve com sorriso, agora desviando o olhar para qualquer outro ponto que não fosse eu.
Com a saída dos noivos, fomos todos conduzidos para a parte externa do salão. A cerimonialista, já nos esperava lá fora com aquele jeitinho prático e simpático de sempre. Ela deu os parabéns aos noivos, dizendo que a cerimônia tinha sido linda, emocionante, do jeitinho que eles mereciam. Depois, se virou para nós, padrinhos, agradeceu por termos colaborado com tudo e nos aplaudiu. Todos nós retribuímos com palmas e sorrisos — o clima era leve e cheio de alegria.
Enquanto esperava meus pais para seguirmos até o espaço onde aconteceria a festa, resolvi tirar algumas selfies. A luz estava boa, o cenário bonito e, confesso, eu também estava me achando bonito naquele terno azul.
Foi então que escutei aquela voz familiar, com um tom brincalhão e certeiro:
— Acho bom tirar foto mesmo. Porque você tá lindo!
Era ele. Anderson. Todo sorridente, com aquele jeito que eu conhecia bem.
Agradeci, meio sem saber onde enfiar o rosto, e devolvi:
— Você também tá um charme.
Ele deu um passo mais perto e perguntou, com um olhar mais direto:
— Posso te abraçar?
Assenti com a cabeça e o abracei. Foi um abraço rápido, mas cheio de coisa não dita. E antes que eu pudesse processar aquilo tudo, ele soltou:
— Se tá bonito assim hoje, imagina no dia do nosso casamento?
Arregalei os olhos, peguei no susto e respondi, sem pensar muito:
— Casamento? Não exagere… Nem estamos mais juntos.
Ele sorriu amarelo, parecendo buscar alguma palavra ou desculpa para dar sequência à conversa. Mas antes que ele dissesse qualquer coisa, meus pais se aproximaram. Cumprimentaram meu primo com carinho, dizendo o quanto estavam felizes por vê-lo ali, e logo depois me chamaram:
— Vamos, filho. A festa já vai começar.
Virei pra ele, dei um leve aceno e disse:
— Com licença... preciso ir.
E fui. Sem olhar pra trás.
O ambiente da festa era encantador, a decoração seguia um estilo rústico-chique, com luzes suspensas iluminando suavemente o espaço ao ar livre. As mesas estavam distribuídas de forma elegante, com arranjos florais delicados e detalhes que mostravam o carinho e a dedicação que Letícia e Ricardo tiveram ao organizar tudo.
Ao chegar, fui direto cumprimentar meus amigos, trocando abraços e conversas animadas sobre a cerimônia. Enquanto isso, Anderson seguiu para a mesa onde sua família estava reunida. Ali estavam todos aqueles que meu irmão e Letícia consideravam importantes: os colegas de trabalho do Ricardo, o pessoal da capoeira, incluindo Naldo, que também foi um dos padrinhos, meus amigos mais próximos e, claro, os convidados de Letícia, muitos dos quais eu não conhecia.
Uma mesa enorme foi reservada exclusivamente para a família dos noivos, garantindo que todos ficassem próximos e participassem desse momento especial.
Manuel, por estar sozinho, acabou se juntando ao pessoal da capoeira. Era um grupo animado e ele parecia confortável ali, conversando e rindo em alguns momentos, mas vez ou outra eu notava seu olhar vagando pelo salão, como se estivesse observando algo — ou alguém.
Já meus amigos estavam todos lindos. Era engraçado vê-los assim, vestidos de forma tão elegante, já que no nosso dia a dia o despojamento era a regra. Mas a ocasião pedia isso.
No entanto, entre todos, Jefferson estava um verdadeiro arraso. Ele vestia um terno preto impecável, com uma gravata vermelha que lhe dava um ar ainda mais marcante. Gil também escolheu as mesmas cores, mas havia algo em Jefferson que o destacava. Sua postura firme, seu jeito naturalmente sedutor, a masculinidade que ele exalava sem esforço... Tudo isso fazia dele uma presença impossível de ignorar.
Fiquei ali com meus amigos por algum tempo, rindo, comentando sobre a cerimônia, o vestido de Letícia, a música da entrada, e claro, o nome de Anderson e Manuel não foi evitado na conversa. Eles queriam saber como eu estava lidando com tudo aquilo, como seria encarar os dois naquele ambiente, e se eu me sentia desconfortável. Eu respirei fundo, mantive a pose e falei que não estava me importando com aquilo.
Lógico que a presença de Anderson mexia comigo — era impossível não mexer — mas eu não deixava transparecer. Já o Manuel... ele havia se tornado indiferente.
Foi quando Jefferson, ajeitando a gravata vermelha com aquele ar sempre atento, soltou:
— Mas acho que você deveria ficar de olho nele.
Olhei nos olhos dele com firmeza e respondi:
— Manuel não vai fazer nada porque ele sabe que aqui estou entre os meus.
Meus amigos assentiram com a cabeça. Ali eu me sentia protegido, cercado por pessoas que me conheciam de verdade, que sabiam de tudo que eu passei. Então, voltei a relaxar, enquanto, ao fundo, Ricardo e Letícia posavam para as fotos em meio aos vários cenários montados no sítio — tinha balanço de madeira entre as árvores, arco de flores, cantinho rústico com mesinhas de palete e até um sofá vintage sob um pergolado.
A princípio, o plano era outro. Eles iriam para o Hotel Bela Vista, um cinco estrelas bem conhecido da região, onde fariam um ensaio mais sofisticado, com vista panorâmica e todo aquele glamour. Mas, no fim das contas, Ricardo achou melhor fazer o ensaio ali mesmo, no sítio. Além de prático, era bonito e combinava com o clima da festa — e, principalmente, ele não queria perder muito tempo longe, queria aproveitar cada segundo daquele momento com a família, os amigos e, claro, a nova esposa.
Como não era minha obrigação circular por todas as mesas do casamento, decidi ir cumprimentar meus tios. No caminho, passei perto da mesa dos colegas de trabalho do Ricardo e fui chamado por Thiagão, que me apresentou ao seu chefe, Vinícius.
Vinícius parecia ter por volta dos trinta e poucos. Branco, de cabelos castanhos m lisos penteados para o lado, tinha aquele tipo de físico que engana - não era malhado, mas tinha um corpo parrudo, daqueles que sugerem que o cara praticava algum esporte ou fazia atividades físicas sem ser frequentador assíduo de academia. Vestia um terno social que caía bem em seus ombros largos, mas sem exageros.
— Vinícius, esse aqui é o caçula da família, irmão do Ricardo... mimado pra caramba, mas gente boa. — Apresentou Thiagão com seu jeito irreverente.
Todos riram, inclusive Vinícius, que me estendeu a mão com um sorriso descontraído. Seu aperto de mão era firme, mas sem aquela pressão desnecessária que alguns homens usam para se mostrar.
— Muito prazer!, disse com uma voz mais grave do que eu esperaria de seu físico.
Antes de sair, ainda brinquei:
— Ele fala como se fosse meu melhor amigo... mas enfim, aproveitem a festa!
Em seguida, fui direto para a mesa dos meus tios, onde também estava Anderson e - para meu desconforto - Amanda. Embora achasse sua presença totalmente desnecessária, quase uma afronta ao meu irmão já que eles nem se falavam, se meus tios decidiram trazê-la, não cabia a mim comentar. Cumprimentei a todos com educação, inclusive o namorado dela, ignorando o "oi" meio forçado que ela soltou.
— A noite promete ser animada! — disse Anderson, otimista.
— Claro, depois do jantar liberam a pista e vai ficar maneiro. — Concordei, antes de me despedir.
Pedi licença e, enquanto estava indo em direção à mesa reservada para mim, decidi fazer uma parada no banheiro.
Mal saí do box, ainda tentando processar o que tinha rolado com o Anderson, quando quase bati de cara com Manuel lavando as mãos na pia, todo tranquilo, como se estivesse me esperando.
— Ah, olha só quem finalmente apareceu! — Ele secou as mãos devagar, aquele sorriso maroto estampado no rosto. — Já tava achando que você ia me evitar a noite toda. E olha que eu sou amigo do seu irmão, viu?
Tentei disfarçar o susto, respirando fundo.
— Ia te cumprimentar, Manuel. A festa só começou, relaxa.
Ele deu uma risadinha, os olhos me encarando no espelho.
— Que alívio, hein? Por um segundo achei que tinha virado invisível. — Ajeitou o colarinho da camisa. — Aproveitando... vi que você deu uma passada na mesa do Anderson.
Meu queixo tensionou. O cara não perde nada.
— E daí? Tô num casamento, posso conversar com quem eu quiser.
Manuel se apoiou na pia, o olhar fechado, o tom mais ríspido.
— E é justamente por isso que você vai me ajudar. Chega de joguinho. Você vai me reaproximar dele hoje. Essa festa é o momento ideal, e você tem acesso. Vai fazer isso, Renato.
— Tá falando sério?
Ele deu um passo à frente, o rosto a poucos centímetros do meu.
— Você sabe que estou. Você acha que ele se afastou de mim por quê? Porque simplesmente enjoou? Não. Foi por sua causa. Você alimentou isso. Você virou ele contra mim. Então agora vai desfazer a merda que fez. Vai lá, planta a sementinha, puxa assunto, inventa qualquer coisa. Dá um jeito.
Tentei sair, mas ele me agarrou pelo braço, com força.
— Não tenta bancar o inocente. Você deve isso a mim. E sinceramente? Vai estar fazendo até um favor à humanidade... juntando dois ex. Olha que evolução. Talvez finalmente você sirva pra alguma coisa.
Fervi.
— Eu não tenho culpa no cartório porra nenhuma! Não era eu quem estava traindo o Anderson. Você fez isso sozinho.
Manuel apertou ainda mais meu braço, seus dedos pressionando com uma firmeza que beirava a dor. Eu franzi o rosto e encarei ele, a minha voz saindo em um sussurro tenso:
— Você sabe muito bem a merda que fez! Quem traiu o Anderson foi você. E não só ele. Me traiu também, lembra? Ou sua memória seletiva apagou isso? Agora me solta! Você está me machucando.
Ele esboçou um sorriso, quase divertido, como se meu desconforto fosse parte de um jogo que só ele conhecia as regras.
— Então vai me ajudar ou não? — Perguntou, inclinando-se um pouco, como se estivesse compartilhando um segredo.
O sangue pulsou nas minhas têmporas. Aquilo não era um pedido — era uma provocação. E eu já tinha passado da fase de engolir esse tipo de coisa.
— Tire a mão de mim. Agora! — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava, e por um segundo, seus olhos piscaram, surpresos.
A gente travou um jogo de olhar - ele apertando, eu tentando não surtar - até que o barulho da porta do banheiro abrindo quebrou o clima.
Jefferson apareceu na entrada e, ao ver a cena, seu rosto mudou imediatamente.
— Tá tudo bem aqui? — Jefferson perguntou.
Manuel soltou meu braço na hora, recuando um passo.
— Só estávamos conversando. — Ele disse, levantando as mãos em um gesto de falsa inocência.
Eu esfreguei o pulso, respirando fundo.
— Não era bem uma conversa — murmurei, olhando para Jefferson. — Obrigado.
— Tá tudo bem mesmo, Renato?— ele perguntou, os olhos fixos em Manuel.
Aproveitei o momento.
— Tudo certo, Jefferson. Manuel já estava de saída mesmo.
Olhei firme para Manuel, que ficou parado por um segundo, sem graça, antes de voltar a lavar as mãos com um ar de indiferença.
— É, é... tô saindo.
Enxugou as mãos rápido e saiu do banheiro sem olhar para trás, deixando um clima pesado no ar.
Assim que a porta se fechou, Jefferson se aproximou.
— Ele te machucou?
Abanei a cabeça.
— Não, nada disso. Só estava insistindo pra que eu ajudasse ele a se reaproximar do Anderson.
Jefferson suspirou, parecendo já entender a situação.
— Espera aí um minuto, vou só no mictório e já volto.
Enquanto fazia o que precisava, ele me avisou, baixo e urgente: Cuidado com esse cara.
E, embora parecesse loucura falar aquilo no casamento do meu irmão, o tom dele não deixava espaço para dúvidas — eu não devia dar bobeira.
Quando Jefferson voltou, enxugou as mãos no papel toalha e respirou fundo, como se tentasse afogar a tensão.
— Bora voltar pra festa? — sugeriu, mais calmo agora. Mas os olhos ainda alertas. — Só fica esperto, viu? A noite mal começou, o álcool nem chegou na mesa, e o cara já tá daquele jeito. Imagina quando a galera começar a beber...
Concordei em silêncio. A música e os risos ecoavam lá fora, mas o aviso dele ficou pesado, como uma sombra grudada nas minhas costas.
Saímos do banheiro juntos, porém Jefferson voltou para a mesa dos nossos amigos, enquanto eu me juntei aos meus pais. Foi quando os alto-falantes anunciaram a apresentação de um vídeo especial. As luzes do salão se apagaram suavemente, e o telão suspenso no centro do espaço desceu lentamente.
A tela se acendeu, mostrando uma sequência de fotos de Letícia e Ricardo em vários momentos do relacionamento deles - desde os primeiros dias de namoro até os preparativos para o casamento. Algumas imagens eram engraçadas, outras doces, e muitas mostravam viagens, festas e momentos em família. Eu aparecia em algumas delas, geralmente ao lado do meu irmão, sorrindo ou fazendo caretas. Também havia fotos das amigas de Letícia, da família dela e de todos que fizeram parte da jornada do casal.
A trilha sonora era suave, mas emocionante, e muitas pessoas ao redor começaram a suspirar ou rir baixinho ao reconhecerem os momentos marcantes. Quando o vídeo estava prestes a terminar, os noivos apareceram em uma gravação especial, agradecendo a todos que os apoiaram ao longo dos anos.
— Somos muito gratos por cada pessoa que esteve ao nosso lado nessa caminhada — disse Ricardo, segurando a mão de Letícia.
Ela completou, com os olhos brilhando: E queria agradecer especialmente à família do Ricardo, que me acolheu com tanto carinho desde o início. Renato, você é um irmão querido pra mim.
Minha garganta apertou. Lágrimas de alegria escorreram pelo meu rosto antes que eu pudesse me controlar. Meus pais me apertaram pelos ombros, emocionados também.
Assim que o vídeo terminou, as luzes se acenderam novamente, e os noivos surgiram no salão, recebendo aplausos calorosos. Letícia e Ricardo vieram direto até nossa mesa, nos envolvendo em um abraço coletivo.
— Obrigado, mano! — Ricardo murmurou no meu ouvido, enquanto Letícia me apertava com força.
Eu só consegui responder com um sorriso e mais um abraço, ainda comovido.
Enquanto Ricardo e Letícia passavam de mesa em mesa falando com seus convidados, eu permaneci ali com meus pais. Os garçons circulavam pelo salão servindo drinks coloridos e canapés finos. O clima foi ficando mais leve, mais descontraído. As conversas aumentavam, risadas ecoavam de diferentes cantos, e até mesmo os mais sérios pareciam se render à atmosfera de celebração.
Meus pais, atentos como sempre, perceberam que eu estava um pouco deslocado entre os familiares de Letícia. Foi então que minha mãe, com aquele jeitinho carinhoso de sempre, se aproximou e sussurrou:
— Filho, se quiser sentar com seus amigos, fique à vontade. A gente entende.
Meu pai, com um meio sorriso, completou:
— É, vá se divertir. A gente fica por aqui mesmo.
Agradeci com um aceno e um beijo no rosto dos dois. Levantei com meu copo na mão e fui até a mesa onde Jefferson e o resto da galera estavam reunidos. Me aproximei com um sorriso tímido e perguntei:
— Tem lugar pra mais um aqui?
Gil, sempre espontâneo, puxou a cadeira ao lado dele e disse:
— Mas é claro! A mesa só fica completa com você!
Assim que me sentei, ele levantou o copo, já animado:
— Saúde ao noivo e à noiva! E ao Renato, que agora segue encalhada!
Todos rimos e brindamos juntos, batendo os copos de maneira desajeitada e sincera. Era bom estar ali. A leveza daquela mesa me deu um novo fôlego. A música, que agora tocava num ritmo mais dançante, começava a atrair algumas pessoas para o improvisado espaço da pista. A festa, finalmente, ganhava corpo.
Mas era impossível não notar. Mesmo entre sorrisos e conversas, meus olhos teimavam em fugir, em buscar os dois rostos que marcaram tanto minha história.
Do outro lado do salão, Manuel estava completamente à vontade, rindo alto com o pessoal da capoeira. Nem parecia o mesmo cara tenso, inseguro, que havia me abordado no banheiro. Seu sorriso era fácil, solto, como se nada tivesse acontecido.
Já Anderson... Anderson estava só. Sentado à mesa da família, conversava com os pais com um copo na mão, às vezes lançava um olhar perdido em meio ao salão. Por vezes, nossos olhares se encontravam. Breves segundos que diziam muito — ou talvez nada. Era como se houvesse um silêncio entre nós que gritava.
Eu fingia que não sentia. Mas sentia. Como se ele estivesse me lendo de longe. Como se ele quisesse dizer algo, mas se prendesse nas palavras.
Ficamos ali conversando, rindo, bebendo... mas é claro que o assunto do momento não demorou a surgir: a audácia de Manuel. Era como se todos estivessem esperando o momento certo pra comentar.
— Agora me diz uma coisa, você acha que a gente não percebeu? — soltou Jefferson, com aquele olhar de quem sabe mais do que diz. — Foi o Dinei quem notou que o Manuel levantou pouco depois que você foi ao banheiro.
— Ele falou que você entrou no banheiro e que o Manuel entrou logo em seguida, meio disfarçando, com cara de quem tava indo resolver mais que uma vontade fisiológica.
— Só que como o Dinei não teve coragem de ir atrás pra ver o que tava acontecendo, eu mesmo fui. — completou Jefferson, apontando pra si com o dedão.
— Mas o que ele queria, afinal? — insistiu Gil, franzindo a testa.
Respirei fundo antes de responder, tentando manter a calma:
— Manuel é sujo. Ele queria que eu o aproximasse do meu primo. Imagina só...
— Cara de pau! — exclamou Gil, indignado.
Breno soltou uma risada e balançou a cabeça:
—Mas não dá pra negar que esse cara é afrontoso e audacioso...
Dinei, mais impulsivo, foi direto:
— Se fosse eu no seu lugar, tinha feito um escândalo na hora!
Mas Jefferson logo rebateu, sem perder a chance de provocar:
— Você, Dinei? Nem coragem teve de levantar pra ir ao banheiro! Tinha feito um escândalo nada...
Todos riram, e eu aproveitei para esclarecer:
— Escândalo é tudo o que eu não quero. Nem eu, nem o Ricardo. Inclusive, isso foi um pedido dele... feito sob ameaça mesmo. Ele deixou claro que, se o Manuel aprontasse, estava fora da festa.
Gil coçou o queixo, pensativo:
— Então é por isso que ele está fazendo essas gracinhas... Ele sabe que você não vai reagir para não estragar o dia do seu irmão. Está se aproveitando disso.
— Pode ser...— concordei, dando de ombros. — Mas vamos esquecer esse ser e aproveitar a festa.
Erguemos os copos juntos e vínhamos mais uma vez.
— À noite, à festa e ao esquecimento dos exs — brindou Breno.
— Saúde! — repetimos todos.
E viramos os copos.
A partir dali, tratamos de curtir a noite. Fomos para a pista dançar! Porque, por mais que os fantasmas rondassem, aquele ainda era um dia de celebração — e a gente sabia como torná-lo memorável.
Até que, de repente, vejo nada mais, nada menos do que Anderson — do meu lado, me observando, dançando, um passo pra lá e um passo pra cá.
— Posso ficar aqui com vocês? — ele perguntou.
Todos os meus amigos olharam pra mim, esperando minha resposta. Respirei fundo, engoli o nó na garganta e respondi:
— Claro, Anderson.
Ficamos ali, todos dançando juntos. Em um determinado momento, ele se aproximou do meu ouvido e disse:
— Não canso de te olhar… cara.
Pedi que ele parasse, ou teria que voltar pra mesa. Ele, sem graça, recuou. Ainda assim, parecia genuinamente feliz de estar ali. Fez até trocou ideia com Jefferson, riram juntos de algumas piadas e, quando voltamos pra mesa, Anderson veio se sentar conosco.
Mas não demorou para que Manuel achasse que também podia se aproximar. Chegou todo sorridente, pedindo licença:
— Cabe mais um nessa roda ai?
Anderson olhou pro chão. Não respondeu. Jefferson se inclinou em minha direção e perguntou, quase sussurrando:
—Quer que eu responda ou você responde?
— Pode deixar que eu respondo. — falei, firme.
Olhei nos olhos de Manuel e soltei:
— Não! Não tem lugar pra você aqui. Ninguém aqui quer falar com você. E você sabe disso.
— Eu pensei que… — tentou se justificar, mas Gil cortou sem dó:
— Pensou errado, querido.
Manuel ficou sem graça, sorriu amarelo, e se afastou indo em direção ao banheiro. Dinei, indignado, soltou:
— A cara nem queima, né? Depois do que ele fez hoje…
Tentei disfarçar, sinalizar para que ele parasse. Não queria que Anderson soubesse. Mas era tarde demais.
— Mas o que rolou? O que esse Filho da puta fez? — perguntou Anderson, com os olhos arregalados, já sentindo que algo estava errado.
Foi só então que Dinei percebeu a merda que tinha feito.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando evitar que as palavras saíssem da minha boca. Mas os olhares estavam sobre mim, inclusive o de Anderson, que agora misturava confusão e uma pontada de receio.
— Ele me abordou no banheiro. — Soltei, por fim.
Anderson franziu a testa.
— Como assim?
— Me segurou pelo braço. Queria que eu o ajudasse a se aproximar de você. — completei, sentindo o peso da revelação.
O semblante de Anderson mudou na hora. Os olhos dele se encheram de raiva, a mandíbula travou. O silêncio ao redor da mesa virou um campo de tensão, como se todos esperassem ele explodir ali mesmo.
Foi então que Jefferson, talvez tentando encerrar o assunto, concluiu:
— Quando eu entrei no banheiro, ele ainda estava segurando no braço dele. A cara do Renato dizia tudo.”
Anderson olhou com reprovação..
— Ele fez o quê? — disse entre os dentes.
— Anderson, por favor... — me adiantei, colocando a mão sobre a dele, tentando conter o vulcão prestes a entrar em erupção. — Esse não é o momento. Hoje é o casamento do Ricardo. Meu irmão me pediu para não causar, para evitar qualquer coisa com o Manuel. E eu prometi. Por ele. E por mim.
Anderson ainda encarava o vazio como se lutasse internamente com o próprio impulso.
— Promete pra mim que não vai fazer nada. Por favor. — insisti.
Ele respirou fundo. Depois de alguns segundos, olhou nos meus olhos e respondeu:
— Tá bom. Eu prometo. Por você.
E do nada ele pediu licença e saiu.
Com a saída do Anderson da mesa, precisei chamar a atenção do Dinei. Ele comentar para Anderson o ocorrido no banheiro, me incomodou profundamente — não só pelo conteúdo, mas pelo momento. Eu estava tentando evitar qualquer atrito.
— Dinei, na moral... precisava disso agora? — soltei entre dentes, sem paciência.
Ele percebeu que passou do ponto, baixou o tom e pediu desculpa. Até o Breno entrou na conversa, balançando a cabeça.
— Às vezes o Dinei é um boca de sacola mesmo — disse, rindo de leve, tentando aliviar o clima.
Respirei fundo, aceitei as desculpas e deixei pra lá. A noite era longa e eu precisava manter a pose.
Foi aí que meu irmão e a Letícia se aproximaram das nossas mesas, abraçando todo mundo e chamando pra tirar fotos. Quando ele me abraçou, me puxou um pouco de lado, em tom baixo:
— Tá tudo bem mesmo?
— Tá sim — respondi rápido, forçando um sorriso.
Ele franziu a testa, como quem não engole qualquer resposta.
— O Manuel ficou na dele?
Ricardo, como se soubesse exatamente que algo tinha rolado, me observava.
— Ele tentou conversar — confessei, com um meio sorriso debochado. — Mas foi ignorado com sucesso.
Meu irmão soltou uma risada.
— Você é foda — disse, antes de voltar a abraçar os outros.
Logo depois, seguiu para a mesa do povo da capoeira pra tirar fotos. Foi quando notei: ao se aproximar do Manuel, ele falou algo baixo, direto. Não sei o que foi, mas bastou. Manuel, imediatamente, virou o rosto na minha direção, me procurando com o olhar.
Nossos olhos se cruzaram por um instante. Ele estava sério, tenso. Havia algo ali — talvez raiva, talvez constrangimento. Ou só aquele velho desejo de controle escapando pelas frestas.
Desviei o olhar. Não era o momento de dar palco. Já tinha feito minha parte: deixado claro que não ia cair no jogo dele.
Eu decidi que a presença de Manuel ali não seria uma ameaça pra mim. Não mais. Que, assim como os outros convidados, eu também tinha direito de aproveitar a festa. E não era qualquer festa — era o casamento do meu irmão. Se alguém tinha que estar à vontade, esse alguém era eu.
Eu já estava praticamente abastecido à base de cervejas, e vez ou outra me rendia a uns drinks que pareciam ter sido feitos pra derreter qualquer tensão.
Foi numa dessas idas ao bar que o Naldo me chamou de longe. Pensei em ignorar. Manuel estava lá, na mesma mesa. Mas aí eu pensei: não. Não vou me esconder. Não vou dar esse gostinho pra ele.
Cheguei com o passo firme. Naldo foi o primeiro a me cumprimentar, logo seguido por Felipe. Cumprimentei todos, mantive o tom amistoso. Naldo sorriu do jeito dele, meio debochado, meio cúmplice.
Foi então que Naldo se inclinou um pouco e disse:
— Se você encontrar o Anderson, fala pra ele que pode aparecer na nossa mesa. Mesmo com o Manuel aqui... tem outros amigos dele com a gente. A galera quer ver ele.
Assenti com a cabeça. Guardei o recado sem prometer nada. Mas por dentro, fiquei pensando: será que Manuel pediu pro Naldo tentar aproximar ele do meu primo? Já que comigo não colou, talvez ele tenha tentado por outro caminho. Nada que me surpreendesse vindo dele.
Olhei pro Naldo com um meio sorriso e respondi:
— Então... como você já sabe, eu e Anderson não estamos lá nas mil maravilhas, né? — dei uma risadinha sem graça, tentando suavizar o clima. — Mas se eu tiver uma outra oportunidade, eu falo com ele sim. Pode deixar.
Ele assentiu, compreensivo, e não insistiu.
Olhei pro Felipe, que sorria de leve, e falei com naturalidade:
— Se você quiser se juntar a gente, igual na virada do ano... fica à vontade, viu? Vai ser um prazer.
Ele assentiu com um sorriso tímido e agradeceu. Eu fui pra pista, onde meus amigos ainda dançavam como se não houvesse amanhã. A música vibrava, os corpos se moviam e, por um momento, tudo parecia leve de novo.
Não demorou muito e o Felipe se juntou a nós. Ele era uma simpatia — E eu, claro, já estava doido pra saber mais sobre ele, André e Naldo, mas ali, no meio da pista, não era o lugar certo pra puxar esse papo.
Enquanto isso, notei Jefferson sentado à mesa com meus pais, rindo de alguma coisa que minha mãe dizia. Parecia tão à vontade que, por um segundo, nem parecia que ele era apenas um amigo. Ele se comportava como se fosse parte da família. E, de certa forma... talvez já fosse.
Como se não bastasse toda movimentação, lá veio o Thiagão de novo, surgindo do nada, com aquele jeitão animado:
— Ei, tô indo pegar uns drinks. Quer que eu traga um pra você?
Aceitei na hora, e ele logo perguntou se mais alguém queria. Felipe, também aceitou com um sorriso.
Foi aí que decidi dar uma pausa na dança. Chamei o Felipe e o Gil e sugeri que a gente voltasse pra mesa pra conversar melhor. Dinei e Breno ainda estavam no ritmo, dançando como se fossem donos da pista, então ficaram por lá.
Enquanto caminhávamos de volta, senti que era o momento certo de ter aquela conversa mais tranquila, longe da música alta — e talvez, com sorte, longe de qualquer climão também.
Assim que sentamos, a conversa fluiu fácil. Falamos sobre tudo um pouco, e eu aproveitei pra atualizar meu status:
— Tô solteiro agora — soltei, meio sem pensar, só pra preencher o silêncio entre um gole e outro.
Felipe me olhou de lado, com um ar de quem já sabia da história.
— Eu escutei o Manuel falando na mesa — disse ele, devagar. — Tava conversando com o Naldo. Falava de você com uma certa indignação.
Senti meu estômago dar um nó.
— Indignação? — perguntei, tentando manter a voz firme.
— É... parecia chateado, mas mais do que isso. Tinha raiva na voz. Pra ser sincero, à primeira vista ele me pareceu bem escroto. Forçado, sabe? Como se quisesse convencer todo mundo de que foi a vítima. Ele deu a versão dele da história — continuou Felipe — e, segundo ele, você e o Anderson cansaram dele e terminaram do nada. Que ele ficou sem entender, como se vocês tivessem simplesmente descartado ele.
Soltei o ar devagar, tentando manter a calma.
— Olha, minha consciência tá tranquila. Eu não fiz nada de errado. Fui leal, me entreguei, tentei fazer dar certo. Mas o meu erro foi acreditar no Manuel. E olha que eu criei tanta expectativa. Acreditei em cada palavra, em cada plano, em cada promessa. No fim, fui só mais um.
Foi então que Thiagão surgiu, interrompendo nossa conversa com sua chegada barulhenta. Colocou os drinks na mesa como quem faz um brinde com estilo.
— Ó os drinks, hein! — disse, com aquele sorriso de sempre. — Mas vou falar, viu? Ficar sentado numa festa dessa é sacanagem das grandes! Vocês vão ou não vão pra pista comigo?
Agradeci, pegando o copo.
— Valeu. Daqui a pouco eu vou, é que a gente tá trocando uma ideia aqui — respondi, fazendo um gesto leve na direção de Felipe.
Thiagão assentiu, já virando de costas:
— Então tá, disponha! — falou, já se afastando no seu ritmo animado.
Ficamos em silêncio por um segundo, assistindo ele se misturar de novo na bagunça da pista.
Pouco tempo depois Felipe manteve o olhar firme em mim, como quem esperava mais. E então eu continuei o assunto:
— E, sem querer entrar em muitos detalhes…ele me traiu. Desde que foi para lá.
Felipe arqueou uma sobrancelha, interessado. Então aproveitei pra perguntar:
— E você? Como tá a relação com o Naldo e o André?
Ele deu uma risada curta antes de responder:
— Relação? Não diria isso... é mais uma pegação, uma curtição mesmo. Demorei pra entender, mas o Naldo me fez enxergar isso logo que percebeu que eu estava me apegando ao André.
Lamentei com um olhar, e Gil, do meu lado, balançou a cabeça em sinal de que entendia. Mas Felipe continuou:
— Ah, mas foi um choque necessário. Porque aí caiu a ficha. O André, mesmo sabendo que eu estava super afim, estava super envolvido com a namorada dele. Aí percebi que eu não podia esperar nada sério... nem dele, nem do Naldo — que também tem mulher, né?
— Então vocês continuam se pegando, mas sem envolvimento sentimental? — perguntei, curioso.
— Isso! Ainda rola, mas é só isso. E ultimamente, quem tem me procurado mais é o André. O Naldo é mais desapegado, aparece quando quer. E quando aparece... — ele deu uma risadinha maliciosa.
— Mas você curte essa dinâmica? — perguntei, direto.
Felipe deu um sorriso largo:
— Renato, eles transam gostoso demais! Gosto tanto que nem fico procurando mais ninguém. Mas se aparecer alguém interessante, também não digo não. Só que o André me deixa louco. E o Naldo, quando resolve aparecer, compensa os dias que ficou sumido. Gil, você sabe do que eu tô falando.
Virei o olhar pro Gil, que já estava vermelho.
— Naldo é uma máquina! Quando resolve não brincar em serviço, sai de baixo! — ele riu, sem jeito. — Eu tenho sorte, viu? Só homem bom de cama.
Caímos na risada.
Pouco tempo depois, o DJ anunciou que os noivos iriam dançar. A galera toda se aproximou da pista pra ver o casal abrir a valsa. Até que eles dançavam bem... se bem que podiam ter pedido umas dicas pro bailarino da família, né? Pensei comigo mesmo, tentando aliviar o peso que ainda carregava no peito.
Gil, ainda ao meu lado, se inclinou e cochichou discretamente:
— Disfarça e olha pra trás... sério.
— Não, Gil... — resmunguei, desconfiado.
— É o Anderson — ele completou, quase num sussurro.
Antes mesmo de virar, senti suas mãos tocarem minha cintura. Meu corpo reagiu no mesmo instante — nervoso, tenso, mas com aquela mistura confusa de sensações. Parte de mim gostava daquele toque, da familiaridade, do calor. Mas aí veio como um estalo: a frase dele ecoando na minha cabeça — “somos apenas primos.”
Aquela lembrança me doeu. Respirei fundo, segurei sua mão e, com firmeza, tirei de minha cintura.
— Não, Anderson. Não viaja — falei, olhando nos olhos dele com seriedade.
Ele pareceu entender. Não disse nada, mas também não se afastou.
Dei um passo pra frente, tentando colocar alguma distância entre nossos corpos. Gil percebeu o movimento, me lançou um olhar rápido, mas não disse uma palavra. Apenas voltou a encarar a dança dos noivos, respeitando meu momento.
Fiquei ali, tentando controlar a respiração e me manter firme, enquanto tudo dentro de mim parecia girar.
A dança chegou ao fim com meu irmão segurando minha cunhada entre os braços, e então ele a beijou. Um beijo longo, emocionado, que arrancou aplausos da galera em volta. Anderson, animado, vibrou alto e soltou aquele assobio estrondoso que sempre me fazia pular — quase fiquei surdo.
Com a dança encerrada, os convidados começaram a se dispersar, alguns indo pra pista, outros voltando pras mesas ou correndo pro bar. Eu já ia fazer o mesmo, mas antes que pudesse dar um passo, Anderson se aproximou.
— Podemos conversar? Vamos ali trocar uma ideia... por favor, Renato — disse ele, com uma calma que contrastava com a confusão que provocava em mim.
Gil, atento, me olhou e perguntou baixo:
— Vai voltar pra mesa comigo ou vai com ele?
Hesitei. Olhei pra Anderson. Ele repetiu, num tom mais suave:
— Por favor.
E foi aí que minha resistência fraquejou. Não consegui dizer não. Apenas assenti com a cabeça, e ele saiu na frente. Eu fui atrás, num silêncio desconfortável, como quem caminha pro inevitável.
Por um momento, senti o peso dos olhares ao nosso redor. Não que necessariamente estivessem falando de nós... mas só o fato de imaginar Manuel e Amanda observando já era o suficiente pra me causar um arrepio. A sensação de julgamento, mesmo que invisível, queimava em minha nuca.
Ele parou próximo ao local onde tinha acontecido a cerimônia do casamento e disse:
— Pronto, aqui dá pra conversarmos.
Puxou uma das cadeiras que estavam encostadas e apontou pra que eu sentasse. De imediato, recusei.
— Tá bom assim mesmo... fala o que você quer.
Ele me olhou com um misto de frustração e carinho.
— Por que você tá tão armado desse jeito? Sempre com uma resposta atravessada... tá me tirando, Renato.
Sentei, para amenizar a situação.
— Não vejo dessa forma — respondi, tentando me manter firme. — Só que as coisas mudaram. Você mudou o curso e eu precisei mudar também. Só tô seguindo o caminho que você começou lá em Joinville, quando disse que éramos apenas primos.
Anderson respirou fundo, como se aquelas palavras pesassem em seus ombros.
— Você acha mesmo que eu disse aquilo com convicção? Foi da boca pra fora, Renato. Eu tava perdido nos meus sentimentos... confuso! E ainda teve aquilo do seu patrão — aquilo mexeu com meu ego. Cara, tenta entender!
— Eu entendo que você tava confuso — disse com a voz já embargando — mas eu não entendi ser descartado daquele jeito. Não depois de tudo que a gente viveu. Você não tinha o direito de terminar assim comigo.
Ele tentou segurar minhas mãos, mas eu recuei. Continuei, sentindo o nó na garganta apertar:
— Quem te traiu foi o Manuel. Ele jogou sujo. Você caiu na dele... e quem pagou o preço fui eu.
A voz de Anderson veio mais baixa, quase um sussurro:
— Eu me arrependo, meu amor...
— Renato — corrigi imediatamente, olhando firme nos olhos dele.
— Pra mim continua sendo o amor da minha vida. Eu me arrependi... me arrependo a cada dia. Não tem um dia em que eu não pense em você, que eu não queira te mandar uma mensagem, ouvir sua voz, saber se você tá bem...
— Tá... mas isso não muda o que aconteceu. Eu tive que seguir. E, querendo ou não, tô conseguindo. Eu tento levar a minha vida sem você. No começo foi difícil, insuportável até... mas agora até que tô tirando de boa.
— Posso te fazer uma pergunta? — Perguntou ele.
— Sim. Estamos aqui pra isso.— Respondi, imaginando o que viria a seguir.
— Você... arrumou outro cara? Não me ama mais?
Não consegui conter um riso curto. Ver Anderson inseguro era raro.
— Não. E não tenho a menor pretensão de arrumar alguém. Tô focado em mim agora. Muita coisa mudou depois do fim... mas sim, eu ainda te amo.
Ele então soltou, como num último esforço:
— Será que um dia eu posso te reconquistar? Será que... a gente vai voltar?
Respirei fundo. Olhei pra ele com sinceridade:
— Anderson... eu não vou parar a minha vida por você. Eu te disse isso quando saí de Joinville. Eu me amo também. Eu precisei me reconstruir e me respeitar.
Parei por um segundo, abaixei o olhar e então voltei a encará-lo.
— E não depende só de mim. Se dependesse, a gente voltava agora. Mas não é tão simples. São muitas feridas, muitos silêncios... muito abandono.
Me levantei com um "com licença", sem conseguir manter aquele contato por mais tempo. Dei alguns passos, mas então me virei de leve e disse, quase num tom casual:
— Já ia me esquecendo... o Naldo pediu pra te dar um recado. Ele falou pra você passar na mesa dele depois. Manuel está lá, porém os outros querem te ver e falar contigo.
Anderson apenas assentiu com a cabeça, meio surpreso, meio perdido nos próprios pensamentos. Eu segui meu caminho.
Quando cheguei à mesa, meus amigos — inclusive Jefferson, que também já havia voltado — estavam visivelmente curiosos sobre como tinha sido a conversa e o que havíamos falado. Sem enrolar, fui direto:
— Ele disse que se arrepende de ter terminado, que ainda me ama... e queria saber se existe alguma chance de voltarmos.
Gil logo disparou, num tom preocupado:
— Você não voltou, né!?
Antes que eu respondesse, Jefferson interferiu, olhando para Gil:
— Isso deveria ser uma escolha dele, Gil. Só ele sabe o que sente.
Dinei, mais calmo, comentou:
— Eu te conheço Renato... sei dos seu sentimentos pelo Anderson. Se você quer saber minha opinião, voltar é só questão de tempo.
Talvez Dinei estivesse certo. Mas naquele momento, não era a melhor escolha. Pelo menos não pra mim.
Havia muita coisa em jogo, e eu precisava mostrar para o Anderson que não era assim... que não bastava estalar os dedos para eu voltar correndo. Eu estava começando a reorganizar minha vida, tantos planos, tantos recomeços… Eu precisava seguir em frente.
Mesmo afastado, Anderson se levantou, mas, dessa vez, foi atender o recado que eu tinha dado — o pedido de Naldo. Caminhou até a mesa onde estava o mestre de capoeira, mas se manteve à distância de Manuel, que, querendo ou não, deixava escapar um sorriso discreto no rosto.
Naldo puxou uma cadeira, convidando Anderson para se sentar, e ele aceitou. Ficou ali por um bom tempo, conversando com a galera, tentando talvez se distrair ou apenas respirar depois da conversa que tivemos.
E o clima de festa foi, pouco a pouco, sendo restabelecido. Eu interagia com meus amigos, bebendo e dando muita risada das besteiras que eram ditas naquela mesa. Cá entre nós, quando a gente queria ser escroto, a gente conseguia — até o Jefferson entrava na zoeira e soltava umas pérolas.
De vez em quando, eu olhava discretamente para a mesa de Naldo, curioso pra ver como estava a vibe por lá.
Depois de um tempo, Anderson se levantou. Cumprimentou todos com um aperto de mão — menos a de Manuel, que já não exibia mais aquele sorriso de antes. Sem dizer nada, ele seguiu em direção à mesa onde estavam meus tios e lá permaneceu.
Quando percebi os garçons começando a servir o prato principal, pedi licença aos meus amigos e voltei para a mesa, onde agora os noivos já estavam acomodados.
— Olha quem chegou! — comentou meu irmão, abrindo um sorriso.
— Pensei que fosse jantar com seus amigos... — disse Letícia, meio em tom de brincadeira, mas com uma pontinha de ciúme no olhar.
— Duvido que eu deixaria de compartilhar esse momento com vocês. Afinal, não é todo dia que vocês têm a minha ilustre presença no jantar — respondi, fazendo graça enquanto puxava a cadeira.
O cardápio, escolhido a dedo pelos noivos, era um verdadeiro acerto: filé mignon ao molho madeira, arroz à piamontese e batata noisette. Tudo servido com capricho e muito sabor. E cá entre nós, combinava não só com o ambiente elegante do salão... mas também com um dos garçons que veio servir a batata — que prato, que serviço, que garçom!
No meio do jantar, meu pai, casual como sempre, perguntou:
— E aí, já decidiram pra onde vão na lua de mel?
Ricardo engoliu um gole do suco e respondeu com um sorriso:
— Provavelmente vamos passar uns dias numa pousada em Penedo. Lugar tranquilo, bom pra descansar da correria desses últimos dias.
— Então já tá na hora de pegar essa gravata do noivo aí e começar a passar nas mesas — disse meu pai, dando uma risadinha. — Vai que já arrecada um bom fundo pra lua de mel.
Letícia e Ricardo riram, e eu também. Mas conhecendo meu pai... aquilo era só o início de alguma outra ideia mirabolante que ele já devia estar planejando.
Depois do jantar Ricardo pediu a minha ajuda:
— Renato, você me ajuda a passar nas mesas? — perguntou Ricardo, já com a gravata meio solta no pescoço.
Olhei para meu pai, que piscou pra mim com aquele jeito de “vai lá, filho”, e então confirmei com a cabeça:
— Bora, irmão.
Pegamos uma bandeja emprestada com o garçom bonitinho — aquele mesmo da batata — e começamos a passar de mesa em mesa pedindo colaboração para a lua de mel. Quem doava, ganhava um pedaço da gravata de Ricardo. Era tradição.
Meu irmão era muito querido, então foi fácil ver o povo sendo generoso. Mas o ouro mesmo veio na mesa da galera do trabalho: o chefe dele arrancou R$150 e colocou na bandeja sem pestanejar. Thiagão, como sempre generoso, meteu R$100. Max e Fabiano, R$50 cada.
Passamos por todas mesas, mas a do meus tios foi a última em que nós fomos, pelo fato de Amanda estar ali.
Vi meu tio colocar só R$10 na bandeja. Amanda, com aquele sorrisinho debochado, largou uma nota de R$2 rindo como se fosse a maior piada. Já Anderson surpreendeu e colocou R$50. Ricardo ficou meio sem graça, mas cortou os pedaços da gravata com o mesmo sorriso educado de sempre, agradecendo a cada um.
Voltamos pra nossa mesa e meu pai, impressionado com a quantia na bandeja, quis saber:
— Tá... mas quem foi o engraçadinho que deixou essa nota de dois?
— Amanda — respondi sem titubear. — Colocou rindo na nossa cara.
Pouco tempo depois, vi meu pai se levantar, ir até a mesa do DJ e com o microfone em mãos, chamou meus tios e primos. Fiquei observando, sem entender. Ricardo se inclinou e cochichou:
— Você tá sabendo de alguma coisa?
Balancei a cabeça, igualmente perdido.
Todos eles foram até onde meu pai estava. Inclusive Anderson que parecia um peixe fora d'água. Amanda pegou o microfone e criou todo um suspense. Fez aquele tipo de discurso que prende a atenção, deixando no ar a pergunta: “O que ela tá fazendo ali agora?”.
Foi então que ela revelou, com a voz embargada de emoção, que tanto a família dela quanto os meus pais haviam se reunido em segredo. Juntos, decidiram que Ricardo e Letícia mereciam uma lua de mel à altura de tudo o que viveram e construíram juntos.
— Eles merecem uma lua de mel com excelência! — disse ela, convidando os noivos a subirem ao palco.
Ricardo e Letícia se entreolharam surpresos, mas toparam na hora. O brilho nos olhos deles já dizia tudo: sabiam que vinha coisa boa por aí.
Com os dois ali, Amanda enfim anunciou:
— Vocês vão passar a lua de mel em Porto Seguro! São cinco dias com hospedagem e voo incluídos!
O salão explodiu. Palmas, gritos, gente levantando da cadeira pra aplaudir. Até eu fiquei de boca aberta. Que presentão! E vindo de Amanda? Aquilo me pegou mesmo.
Tudo teria sido perfeito se tivesse parado por ali.
Mas Amanda, sendo Amanda, não parou. Continuou:
— Aproveitando o momento... Ricardo, Letícia, Renato, Anderson... e a todos que se sentiram ofendidos ou até mesmo machucados por mim... eu venho aqui, em público, pedir desculpas. Ou melhor, perdão. Por toda dor, por toda contenda que causei.
Letícia pegou o microfone e, emocionada, disse que não esperava por aquilo e que realmente nada daquilo tinha sido combinado e agradeceu pelo carinho. Ricardo foi direto:
— Isso foi uma surpresa boa. Sei que todo mundo merece uma segunda chance. E espero, Amanda, que você realmente tenha mudado. Eu te perdoo. Tô fazendo isso não só por você... mas pelos meus tios.
Fiquei de queixo caído. Eu não conseguia enxergar essa mudança toda em Amanda. O ranço que eu sentia por ela era tão grande que me cegava até pra possibilidade de alguma bondade naquela alma.
No final, todos passaram por mim. Amanda sorriu como se tivesse orgulhosa. Já Anderson, com as sobrancelhas franzidas, soltou:
— Eu não tô entendendo porra nenhuma.
Respondi: Nem eu, Anderson. Nem eu.
Quando meus pais e os noivos voltaram pra mesa, eu só consegui dizer:
— Eu tô é chocado.
— Eu também — respondeu Ricardo, com um sorriso ainda meio bobo no rosto. — Nem esperava uma surpresa dessas... pô, Bahia, cara! Imagina.
Mas eu não deixei passar.
— Tô chocado é com o discurso de arrependida da Amanda. Sério que vocês acreditam numa mudança radical assim?
— Renato... — meu pai tentou me interromper.
— Ou vocês se deixaram levar pelo preço de uma passagem?
Silêncio.
Foi Letícia quem quebrou o clima tenso.
— Renato, como eu disse... aquilo não foi uma encenação. Não tava combinado. Aconteceu. A gente não esperava. Sobre o presente? Quem não gostaria de passar cinco dias na Bahia? Agora, sobre a sua prima... ela pediu perdão pro seu irmão. E ele decidiu perdoar. É um direito dele. Assim como é um direito seu... não perdoá-la.
Olhei ao redor. Todo mundo parecia satisfeito com a reviravolta, como se o final feliz tivesse chegado. Mas eu não. Eu não conseguia engolir aquilo.
Me levantei do nada e saí. Encontrei um banco perto do playground e decidi ficar ali até a raiva passar. Fiquei pensando na palhaçada que eu acabara de assistir. Não que eu não acreditasse na mudança das pessoas, no arrependimento genuíno, mas depois de tudo que sei sobre ela, depois de tudo que ela já fez, isso não ajudava.
Gil apareceu dessa vez. Sentou do meu lado e, por alguns segundos, ficou em silêncio.
Depois quebrou o clima:
— Você surtou, bicha?
— Ainda não — respondi, olhando pra um ponto fixo.
— Resolveu sair do nada? Fazer ceninha porque sua prima teve o momento dela na festa...
— Aquela piranha deu um golpe baixo!
— Renato — ele disse, me encarando sério — talvez seja hora de dar um crédito de confiança. Talvez seja melhor até pra você... e pro Anderson.
— Mas ela foi homofóbica, Gil! Meu irmão parou de falar com ela porque ela fez a cabeça dele, o fez ver abuso onde não tinha! Como minha aproximação ajudaria?
— Eu não sei, amigo. Mas se você parar pensar, Ricardo em outro momento foi homofóbico com você, e nesse caso em específico pelo o que sei Amanda não teve influência ali. Vou ser sincero também detesto a sua prima. Mas agindo assim você só perde. Você não é obrigado a perdoar... mas também tem que respeitar as decisões das pessoas.
Ele então completou:
— Agora vamos lá, que seus pais estão preocupados. Mas vamos chegar chegando, indo direto pra pista. Portanto, melhore essa cara.
Levantei com má vontade, ainda sentindo o peso da indignação nos ombros. Gil puxou meu braço com certa leveza.
Voltamos para o salão. As luzes já estavam ainda mais baixas, o DJ tocava alguma balada romântica, e a pista naquele momento estava praticamente vazia. Meus pais estavam perto da mesa de doces. Minha mãe abriu um sorriso aliviado ao me ver. Meu pai, mais discreto, apenas fez aquele sinal com a mão como quem diz "tá tudo certo agora".
— Vai dançar ou vai continuar com essa cara de funeral? — Gil me cutucou.
— Não enche, Gil.
Gil foi direto até o DJ. Cochichou algo no ouvido dele, e em poucos segundos começaram a tocar os primeiros acordes de "Born This Way", da Lady Gaga.
— Agora sim! — ele gritou, me puxando pra pista. — Prepara que o lacre vai vir!
Tentei resistir, ainda com a cabeça cheia, mas bastou a batida firme e a letra conhecida ecoando no salão pra que meu corpo começasse a se mexer, quase por impulso. Quando chegou o verso:
“I'm beautiful in my way / 'Cause God makes no mistakes / I'm on the right track, baby / I was born this way”,
Foi impossível não cantar junto.
Gil me olhou com os olhos brilhando e disse:
— Ouviu? Foi Deus não comete erros, bicha. Então dança como se o céu tivesse vendo!
Percebi então que não estava mais sozinho. Um a um, meus amigos chegaram e começaram a dançar comigo. Era como se eles tivessem dizendo estamos aqui.
Até Felipe deu o ar da graça.
E dançamos. Dançamos como se cada movimento fosse um grito de liberdade. Letícia se juntou a nós, levantando os braços e sorrindo de um jeito que iluminava tudo. Ricardo apareceu, rindo, balançando a cabeça de leve e até arriscou um passinho desengonçado. Até meus pais, lá no canto, batiam palmas, embalados pela energia.
Amanda nos observava de longe. Não com desdém. Com curiosidade. Ou talvez arrependimento. Vai saber.
Daquele jeito, com aquela música, pela primeira vez na noite, eu realmente me senti… em paz.
O DJ percebeu a animação do povo e aproveitou: soltou uma sequência de hits antigos que incendiou a pista. A galera da capoeira e o povo do trabalho do Ricardo se aproximaram. A essa altura, já era a festa inteira na pista.
Até meus pais estavam lá, dançando.
Eu, que só queria aliviar a raiva, acabei rindo, dançando com todo mundo, vendo meus pés acompanharem passos antigos como se estivessem redescobrindo memórias. Tinha algo cômico e bonito naquele momento — como se a música, por alguns instantes, colocasse todo mundo no mesmo ritmo.
Thiagão se aproximou me entregando mais uma cerveja, dançando do meu lado, com aquele jeito desengonçado e divertido que só ele tem.
— Bora acompanhar meus passos, bora? — disse ele, já fazendo uns movimentos engraçados com os braços e os pés.
Eu ri, e entre um passo e outro, tentei imitá-lo. Mesmo desengonçado, ele contagiava. Meus amigos entraram na onda também, apostando nos passinhos improvisados dele, rindo alto.
— Você se garante nas músicas daquelas cantoras americanas — ele gritou no meio da música, apontando pra mim — e eu me garanto nessas aqui!
Ficamos ali, trocando passos, rindo, suando. Até que, entre uma virada e outra, Thiagão se aproximou do meu ouvido e perguntou:
— E aí... voltou pro carinha?
— Pra quem? Pro Anderson? Respondi.
— Sim. Vi que vocês se afastaram um tempo pra conversar… — Thiagão comentou.
— Não! Ele só queria falar umas coisas. Nada demais. — Expliquei.
— Então se joga na pista! Bora dançar!
E eu dancei. Dancei até suar, até a camisa grudar nas costas. Me entreguei à música como quem lava a alma.
Mas entre uma batida e outra, o DJ avisou que era hora de partir o bolo e tirar as fotos com os noivos.
A pista foi esvaziando aos poucos. Nos chamaram para uma fila organizada, e um a um os convidados se aproximavam para tirar fotos e parabenizar os recém-casados.
Quando chegou minha vez, abracei forte o Ricardo, que ainda explodia de alegria. Letícia me abraçou também, emocionada. Foi uma foto bonita, cheia de significado.
Mas quando pensei que já tinha cumprido meu papel, Anderson se aproximou, determinado:
— A gente tem que tirar uma foto com os noivos — ele disse, me olhando firme.
— Ah, Anderson... já tirei minha foto — tentei argumentar, sem paciência.
— Anda, Renato — disse Ricardo, interrompendo — colabora, vai.
Respirei fundo e fui. Nos posicionamos: eu ao lado da Letícia, Anderson do lado do Ricardo. Sorrimos para a foto, embora o sorriso viesse meio travado da minha parte.
Assim que nos afastamos, Anderson se virou pra mim e falou baixinho:
— Estamos separados apenas por um momento.
Olhei pra ele, sem saber o que responder, e apenas ri. Aquele riso sem certeza.
Voltei para a mesa, porque já estavam servindo o bolo. E se tem uma coisa que eu amo... é bolo de festa.
Me sentei, esperando minha fatia, como se cada mordida pudesse adoçar um pouco mais aquela noite cheia de surpresas, danças, perdões e contradições.
O bolo estava perfeito! Comi duas vezes sem culpa nenhuma. A massa era de pão de ló branquinha, leve, e os recheios... um escândalo! Primeiro, doce de leite com ameixa — do jeitinho que eu amo. Depois brigadeiro branco, e ainda tinha beijinho. Três camadas de pura tentação.
Depois disso, a festa não estava tão formal. Os convidados circulavam mais livremente, sem aquela formalidade do começo. Eu e meus amigos, claro, voltamos pra pista. Mas antes, passamos no bar para pegar mais bebidas.
Comentei com eles sobre o garçom bonito que tava servindo ali perto.
— Gente, e aquele garçom? Uma delicia!
Dinei e Breno concordaram na hora:
— Um sabor — disse Dinei, lambendo os lábios como quem degusta.
— Eu já tinha reparado antes, mas preferi ficar quieto. — completou Breno, rindo.
Já Gil ficou em silêncio, o que fez Jefferson levantar a sobrancelha, curioso:
— E você, Gil? O que achou do menino?
Gil olhou pra ele meio sem graça, mas respondeu:
— O rapaz é bonito, sim.
E logo emendou:
— Mas eu só tenho olhos pra você.
Jefferson sorriu, satisfeito. E eu, claro, cutuquei:
— Agora deu de ficar com ciúmes, Jefferson?
Mas ele respondeu com um sorriso maroto no canto da boca:
— Acredite, nem é ciúme. Gosto de saber o gosto do meu menino.
Foi aí que resolvi cutucar Jefferson ainda mais, rindo:
— E você? Só você que não comentou nada do garçom.
Ele riu, passou a mão no queixo, observou o garçom que estava mais distante e se preparou pra responder, mas Gil se antecipou:
— Não fala nada, Jefferson. Não quero saber.
Jefferson riu ainda mais, provocando:
— Bom... não é o meu tipo. Gosto de caras mais delicados, mais femininos, saca? Mas ele é bonito e tem uma bunda que se destaca mesmo com aquela calça social.
Todo mundo caiu na risada,menos Gil que revirou os olhos.
— Então tá, né? — brinquei, rindo.
Até que Felipe aparece novamente, só que desta vez parecia meio aflito. Pede pra conversar comigo, me puxa para um lugar mais afastado e diz que Manuel estava querendo ficar com ele.
— Mas por que você tá me dizendo isso? Eu não tenho mais nada com ele. Você deveria falar com os seus boys — respondi.
Ele então me disse que Naldo estava jogando ele nas mãos do Manuel, mas que André não concordava com isso, o que estava gerando um clima chato entre eles.
Perguntei direto:
— E você? O que você quer?
Ele disse que achava o Manuel bonito, que talvez até ficaria com ele em outras circunstâncias...
Fui bem sincero:
— De fato, ele é bonito! E te digo mais: ele é gostoso também. Porém, acredite, você é só um pedaço de carne pra ele. Ou pior: uma isca pra tentar me atingir, pra me causar ciúmes...
Olhei para a mesa de Naldo, e tanto ele quanto Manuel estavam nos encarando. André, por outro lado, olhava de longe, visivelmente desconfortável.
Completei:
— No mínimo, o que vai ter essa noite pra você é uma suruba com Naldo e Manuel... isso se André não acabar cedendo e participar.
Felipe deixou claro o motivo da insegurança dele.
— E você acha que não quero isso? Eu toparia de boa, mas tenho medo do André se afastar de mim se eu topar, entende? Eu gosto dele.
Naquele momento, me vi em Felipe. Lembrei de quando vivi um trisal.
— Felipe… querendo ou não, é um risco que você corre. A decisão é sua. Mas, pelo que conheço do Naldo, ele só te vê como um pedaço de carne. E com o Manuel não será diferente. Já com o André… não sei. Mas duvido que algum deles abrirão mão dos relacionamentos deles por você.
Felipe pensou por um instante, olhando para a mesa de Naldo, que agora o chamava com um aceno.
— Quer um conselho? Você nem precisa ficar com o Manuel hoje. Depois te passo o número dele. Assim, pelo menos, você não queima o filme com o André.
Ele sorriu e eu finalizei:
— Como dizem: um é bom, dois é melhor ainda, três é demais! — Pisquei. — Agora você decide.
Felipe me abraçou e saiu saltitante.
Quando voltei pro grupo, Gil quis saber o que Felipe queria. Pra não entrar na privacidade dele, desconversei:
— Ele só queria um conselho.
Nesse momento, Letícia anunciou que jogaria o buquê e chamou todas as mulheres para o centro da pista. Foi aquela movimentação — umas animadas, outras fingindo que não queriam, mas indo mesmo assim. Gil, claro, não perdeu a oportunidade e se enfiou no meio delas, cheio de empolgação.
Fiquei observando de longe e comentei com Breno:
— Se fosse na época que eu estava com meus boys, eu fazia questão de entrar no meio também. Vai que colava, né? — sorri com um toque de nostalgia.
— E ainda dava um show, certeza — ele respondeu, rindo.
Enquanto isso, eu torcia descaradamente pro Gil pegar o buquê. Ele pulava, gritava, empurrava levemente as amigas como se estivesse numa final de Copa do Mundo. A cena toda era hilária e ao mesmo tempo adorável.
— Vai, Gil! — gritei de longe. — É tua!
Letícia lançou o buquê com força. A amiga dela, toda estilosa, pulou e agarrou com firmeza, quase derrubando Gil no processo. Ele ficou indignado, com as mãos na cintura, dizendo:
— Quase foi meu! Se ela não tivesse me empurrado...
Todo mundo riu. A amiga comemorava como se tivesse ganhado na loteria, e Letícia foi abraçá-la. Gil voltou pro nosso grupo bufando de brincadeira.
— Injustiça! Na próxima, vou de coturno!
Aproveitei o momento de descontração e fui até o banheiro.
Entrei, fui até o mictório e, enquanto mijava, Thiagão entrou e ficou no outro mictório que tinha ao lado.
Evitei olhar pra baixo, claro. Mas ele soltou a pérola:
— Não olha pro meu pau não, senão você se apaixona.
Respondi no mesmo tom:
— Deus me livre! Não tenho nem curiosidade. Você tem cara de pau pequeno e fino.
Ele riu. Terminei, fui lavar as mãos na pia. Ele ainda mijava, e falou:
— Vai que você tá carente, né? Tá solteiro...
— Uma coisa é estar solteiro. Outra é estar desesperado.
Ele gargalhou.
— Cara, relaxa. Eu sei como é. Às vezes bate vontade de fazer umas loucuras. Inclusive, tô prestes a fazer uma.
— Que loucura, maluco?
— Essa!
E veio pra cima. Segurou meu rosto e me deu um beijo de língua, rápido, uns cinco segundos.
Quando nos afastamos, ele sorriu. Eu exclamei:
— Maluco!
Ele confessou:
— Tava doido pra fazer isso desde a última vez que dançamos na pista de dança. Só não conta pra ninguém — pediu. — Senão seu irmão me mata!
Como gostei de ser surpreendido daquela maneira, eu disse:
— Tá tranquilo. Não conto. Só com uma condição.
— Qual?— Ele quis saber.
— Que não fique só nesse beijo. Se é pra correr o risco, que seja bem feito. Vai pra uma das cabines! — Pedi.
Ele foi. Lá dentro, continuamos nos beijando. Apesar do jeito bobo, ele tinha uma pegada surpreendente. Eu logo dei sinal de vida. Ainda nos beijando, ouvimos Breno entrar no banheiro:
— Renato? Você tá aí?
Thiagão fez sinal pra eu ficar quieto e respondeu:
— É o Thiagão! Me deu um reverterio, tô no trono aqui.
Segurei o riso. Breno respondeu:
— Tranquilo, rapaz! Mas não precisava ser tão específico — e saiu rindo.
Thiagão também estava aceso. Quando fui colocar a mão no volume, ele disse:
— Cara, por mim eu te comia agora. Mas aqui é arriscado. Já chegou um, daqui a pouco chega outro... complicado.
Nos curtimos um pouco mais, até decidirmos sair. Antes, ele disse:
— Você é gostosinho.
— Não pode dizer isso. Nem provou!
Ele riu, me deu um selinho:
— Mas vou provar.
Saiu da cabine e do banheiro. Demorei um pouco mais.
Quando voltei, estava um pouco bobo com tudo aquilo. Mas todos queriam saber onde eu estava. Diante de tanto questionamento, Gil me deu a desculpa perfeita:
— Aposto que por causa do que aquele Felipe te falou, não foi?
— Sim — confirmei. — Era sobre o Manuel. Precisei me restabelecer.
Dinei soltou:
— Cara sem noção esse Felipe. Falar do seu ex numa festa?
— Gente — falei, enquanto nos ajeitávamos de volta à mesa — o Felipe teve as melhores das intenções, tá? Ele não tem culpa de nada. Só estava tentando ser legal, me dar uma força… embora tenha escolhido a hora errada.
Jefferson com uma expressão meio preocupado disse:
— Cara, eu fiquei preocupado... Achei que o Manuel tinha feito alguma merda contigo.
Me pegou de surpresa. Respirei fundo e, antes que qualquer desconfiança virasse suposição:
— Relaxa, Jefferson... Não foi o Manuel. Muito menos merda. Só precisei de um tempo ali, sabe... A festa tá intensa demais.
Preferi não dar espaço pra mais perguntas. Afinal, como eu explicaria aquele beijo inesperado com Thiagão?
Eles assentiram, ainda meio desconfiados. Mas mudaram de assunto quando o garçom gato passou recolhendo os pratos.
Com a cara e a coragem, levantei o olhar e perguntei:
— Qual seu nome?
Ele respondeu prontamente:
— Luciano.
Aproveitei o embalo e me apresentei achando que o me identificando daquela maneira seria mais fácil a aproximação:
— Sou irmão do noivo.
Ele seriamente respondeu: Legal.
Sorri de volta e continuei:
— O serviço de vocês está excelente. Gostei mesmo. Tem algum contato que eu possa seguir, rede social, número?
Ele foi profissional:
— A empresa se chama Gourmet Prime Eventos.
— Entendi… mas será que eu poderia ter o seu número?
Ele olhou discretamente ao redor, notando que todos da mesa prestavam atenção. Relutou, mas foi sincero:
— Não posso passar número pessoal durante o trabalho. É proibido.
E saiu. Educado, mas deixando claro o limite.
Gil não perdeu tempo:
— Será esse o primeiro fora seu depois do término?
Dei de ombros, enquanto todos riam.
Pouco depois, os noivos começaram a se despedir dos convidados. Nossa família e meus amigos seguimos para a porta principal, onde jogamos arroz neles, num clima de festa. Os noivos seguiram para um hotel da cidade, já que a viagem de lua de mel seria no dia seguinte. Ainda deu pra ouvir, de longe, o barulho das latinhas amarradas ao carro deles balançando pela rua.
Enquanto esperávamos o povo se dispersar, meu último contato com Manuel naquela festa aconteceu.
Ele se aproximou sem aviso e já foi falando, em voz suficiente pra meus amigos ouvirem:
— Então agora você deu de atrapalhar a minha foda?
— Como é? — respondi, surpreso.
Por ser um assunto claramente delicado, meus amigos se afastaram, criando aquele espaço desconfortável. Manuel continuou:
— Pô! Minha noite tava garantida. O moleque ia brincar comigo e com Naldo, mas foi só ele vir aqui que mudou de ideia. Só tô te adiantando que o Naldo tá bolado contigo.
Ri com sarcasmo:
— Você tá muito enganado. Falei pra ele aproveitar, até dei boa referência de você, acredita? Disse que você era gostoso pra cair fundo. Só acrescentei que você só queria usar ele. O que, convenhamos, não é mentira.
Ele sorriu de canto:
— Falou isso mesmo? Olha lá hein, Renato…
— Mas se ele não quis, a culpa não é minha — finalizei.
Nesse momento, Anderson apareceu. Irônico, disse:
— O papo parece estar bom aí. Qual é o assunto?
Gelei. Tremi na base.
Meus amigos se aproximaram de novo, em alerta. Manuel arregalou os olhos, visivelmente pego de surpresa. Anderson ainda esperava uma resposta. Fitei Manuel e disse, firme:
— Vai, fala você, ou eu falo.
Gaguejando, ele tentou:
— Nada demais, pô. Eu vim me despedir dele. Daqui a pouco vou embora e aí a gente começou a trocar uma ideia…
— Mentira! — cortei. — Fala a verdade, Manuel.
Me virei pra Anderson e joguei limpo:
— Ele veio tirar satisfação comigo porque acha que eu atrapalhei a foda que ele teria com o Naldo. O garoto não quis mais porque tem caso com Naldo e com outro cara.
Anderson soltou uma risada irônica:
— Querendo ser o intruso mais uma vez na relação pra depois estragar tudo.
Manuel tentava desesperadamente desmentir:
— Não é bem isso que ele tá dizendo! Anderson, ele tá querendo te queimar comigo.
Anderson o encarou com desprezo:
— Por que mente? Nada que venha de você me surpreende. Pode fuder com a festa toda que eu nem me importo. E escuta bem o que vou te dizer: fiquei sabendo por outros que você tá infernizando a vida do Renato. E esse sim, eu amo. Se você se colocar no caminho dele, ou no nosso, você vai se ver comigo.
— Eu infernizando? Eu nem procuro esse…
Anderson perdeu a paciência e partiu pra cima. Meus amigos reagiram rápido. Jefferson segurou Anderson. Eu, Breno e Doneine contivemos Manuel. Entrei na frente, segurando ele.
— Esse o quê? Fala! — exigiu Anderson, transtornado.
Manuel, chocado, baixou o tom:
— Eu não o procurei. O que fiz foi por conta da empresa do meu pai… e dos nossos bens.
— Enfia tudo isso no meio do seu cu! — disparou meu primo.
A confusão só cessou quando Naldo apareceu junto com meu pai, que com todo respeito, falou firme:
— A festa tá acabando. Manuel, peço que se retire.
Sem resistência, ele foi embora com Naldo. Levaram consigo André e Felipe.
Anderson, mesmo sendo contido, ainda reclamou:
— Ele tá perseguindo o Renato! Eu não vou aceitar isso. O senhor pode não acreditar, mas eu amo seu filho.
Meu pai, com uma calma impressionante, respondeu:
— Eu te entendo, Anderson. Mas aqui não é o momento. Ainda bem que Ricardo não está aqui.
E foi assim que o clima da noite esfriou de vez.
Voltei pro salão, onde ainda rolava uma música baixa e poucas pessoas estavam ali. Peguei a cerveja que seria a saideira e fui bebendo até encontrar meus amigos.
Foi aí que o garçom Luciano se aproximou, meio tímido:
— Tô terminando o expediente. Vim me despedir de vocês.
Cumprimentou cada um e, quando chegou em mim, apertou minha mão por mais tempo do que o normal. Senti algo entre nossas palmas. Disfarcei, sorri e guardei o papel no bolso.
Esperei ele se afastar. A ansiedade não me deixou segurar por muito tempo. Abri o papel discretamente… e lá estava o nome dele junto com o número.
Mostrei pros meus amigos e devolvi a provocação pra Gil, com um sorriso malicioso:
— Será mesmo que levei um fora?
Aos poucos, aquele lugar foi ficando vazio. As luzes já estavam mais baixas, os garçons recolhiam os últimos copos e pratos. Meus amigos, como de costume, decidiram ir embora de carona com Jefferson.
Fiquei ali, um tempo parado observando tudo, sentindo aquele fim de festa. Até que chegou a hora de me despedir dos meus tios e primos, que foram os últimos convidados a saírem. Amanda, fez questão de me dar um "tchau!" simpático. Já o namorado dela, com uma educação impecável, veio até mim, apertou minha mão e comentou com sinceridade:
— O casamento foi incrível, você está família estão de parabéns.
Agradeci com um sorriso. Meus tios nos agradeceram pelo convite com carinho e foram se dirigindo ao carro. Anderson foi se despedir primeiro dos meus pais, pedindo desculpas pelo ocorrido com Manuel. Meu pai, com sua calma de sempre, respondeu:
— Não esquenta com aquilo, filho. Não foi culpa sua.
Depois ele veio até mim. Me abraçou forte, como se quisesse dizer muita coisa sem precisar falar. Me desejou boa noite e, quando estava indo em direção ao carro do meu tio, não me contive. Chamei por ele:
— Anderson!
Ele se virou.
— Obrigado, tá? Por me defender...
Ele sorriu, um sorriso simples, mas que disse muito. Entrou no carro, e eu fiquei ali, vendo-o partir.
Meus pais me olhavam com um olhar sereno, sem julgamento. Um olhar que me dizia que, apesar de tudo, eles estavam comigo.
Eu e meus pais passariamos a noite ali, fizemos uma última checagem no local. No salão ainda estava o DJ que desmontava e guardava todo o seu equipamento de som no carro.
Eu e meus pais esperamos para que toda a equipe que participou do evento desmontasse toda a festa, pegasse seu material e fosse embora. Fomos dormir por volta de umas três da manhã. Dormimos no mesmo quarto que havia ali. Eles na cama e eu no colchão que prepararam pra mim.
Só então lembrei que tinha celular. A festa estava tão boa que só mexi nele para tirar algumas selfies com meus amigos e com meus pais. Entre muitas mensagens, busquei logo a de Anderson — e não foi difícil encontrar, já que ele havia sido um dos últimos que me mandou algo.
A mensagem dele dizia:
Anderson:
Pode parecer bobeira o que vou te falar. Mas não precisa agradecer por te defender, pelo cuidado ou carinho. Sempre que puder eu farei isso. Estando contigo ou não. Por tudo que construímos, por tudo que vivemos.
Só te peço uma coisa. Que você não me esconda nada em relação a Manuel. Se ele fizer algo contra ti, seja uma ameaça ou seja lá o que for, me avise. Cada dia que se passa eu sei exatamente o tipo de pessoa que ele é.
Promete isso pra mim?
Aguardo resposta. Boa noite.
Respirei fundo... e então respondi:
Você:
Está aí?
Anderson:
Tô sim.
Você:
Me desculpa a hora, só agora consegui mexer no celular.
Anderson:
Tranquilo. Bem que eu poderia ter dormido aí rs. Se bem que seria barrado pelos meus tios... e talvez até por você.
Você:
Talvez... quem sabe você dormisse na área, perto da piscina.
Anderson:
Se você dormisse comigo, eu toparia até dormir no mato kkk.
Você:
Mudando de assunto aqui… Foi bom te ver hoje. Como eu disse, eu ainda te amo — e muito.
Sei que você tem tentado de todas as formas mostrar o quanto me ama.
Anderson:
Sim… Mas parece que eu tô perdendo o jogo.
Você:
A realidade agora é outra, Anderson.
Eu preciso dar continuidade às novas conquistas que estão chegando pra mim. Entenda, não é egoísmo...
É que agora estou priorizando minha faculdade, minha carteira de motorista.
Anderson:
Eu só tô com medo de te perder no meio desse processo todo...
Vai que você conhece alguém na faculdade. Por mais que diga que não tem pretensão, isso pode acontecer.
Você:
Sim, pode acontecer.
Mas também pode acontecer com você em Joinville.
Não dá pra negar. Mas estou focado em mim agora.
Anderson:
Eu me arrependo... de verdade.
Você:
Sobre Manuel… Eu não quero levar meus problemas pra você.
Você já tem os seus. Uma hora ele cansa e vai na real
E Pedro deixou bem claro que não me manda embora — disse que sou um dos melhores que ele tem.
O outro lance é você, é você quem ele quer! Ele já deixou isso claro.
Mas ele vai acabar se dando conta que não estamos mais juntos.
Anderson:
Por conta dele, infelizmente.
Você:
Não.
Você optou por terminar.
Se deixou afetar por algo que aconteceu lá atrás, numa época em que você também pegava mulher.
Manuel pode ter errado em revelar, e eu por esconder...
Mas dizer que foi culpa dele, não.
Poderíamos estar juntos, mesmo que à distância.
Anderson:
A gente vai poder conversar antes de eu ir embora?
Você:
Sim.
Só me fala o dia que vai embora pra gente marcar antes.
Anderson:
Vou embora na terça de manhã.
Você:
Segunda pode ser?
O horário e o local ficam a seu critério.
Anderson:
No bar do seu amigo... é uma boa.
Você:
Melhor não.
O Gil vai ficar querendo saber sobre o que estamos conversando...
Eles são uns amores, mas pra esse momento, acho melhor outro lugar.
Anderson:
Vou ver aqui e até amanhã à noite te aviso o local, pode ser?
Você:
Tudo bem!
Agora vamos dormir?
Anderson:
Sim! Boa noite, Renato.
Você:
Boa noite.
E assim, deixei meu celular carregando… e apaguei.
A noite tinha sido longa, intensa, cheia de altos e baixos...
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Comentários (21)
Lipe: Mdsss, eu juro que tô em abstinência dos seus contos, terminei de ler tudo recentemente, pelo amoooooor cadê o resto aaaaaa tem criança chorando
Responder↴ • uid:on96155v9aLeo da Silva: Eu amo seu conto. Não perco nenhuma parte. Torso muito para que o Renato e o Anderson se resolvam e fiquem juntos para sempre. E que todos fiquem bem. Inclusive os vilões que?se corrijam e tenham uma vida boa. Sei que não deve ser fácil escrever e que não é todo dia que se está a fim e inspirado. Mas estou louco para ler um final feliz. Muito obrigado pelo entretenimento. Que tudo dê certo para vc e que vc Tb seja muito feliz. Um grande abraço carinhoso e agradecido.
Responder↴ • uid:1dbow1y5s3cdAndre: Não demora muito para escrever, por favooooooorrrrrr Eu preciso ver até onde isso vai dar, tem muita coisa pra acontecer mas ainda torço pelo Anderson, Mesmo sabendo que Renato precisa pensar nele mais que tudo.
Responder↴ • uid:3kfd37wq49iSemaJ: Uma ora encanto, outras chateados, outras tentando entender. O conto a cada momento ganha nova dinâmicas e isso é bom, faz refletir sobre muitas coisas. Não sei quando dias demorada escrevendo ou vendo os detalhes, mas amarrar cada capitulo com episódios e acontecimento relembrados está sendo uma ótima leitura, dar até vontade de reler os capítulos anteriores. Sua dinâmica e escrita está ótimo, parabéns!
Responder↴ • uid:1dvvum6ifps9Fã do Renato: Sobre o Manoel, espero que ele sofra muito pra deixar de ser otário! Que o Felipe se valorize e entre pro grupo do renato e se afaste do naldo e do outro. Espero que o Renato conquiste muitas coisas e consiga um amor verdadeiro (quem sabe com o Thiago), sem esse estresse emocional todo que o anderson, o manoel e o daniel (que ta no armário e não assumiria o renato) trazem!
Responder↴ • uid:1ddgk1ue3cu1Fã do Renato: Que capítulo incrível, eu amei!!! Já pensou em tornar livro e ir postando os capítulos em outro site ou app? Eu sou simplesmente fissurado nessa saga e todo dia atualizo aqui pra ver se tem capítulo novo, só entro aqui por você. Espero que nunca desista dessa história, ela é maravilhosa!! Depois de toda essa emoção, eu entendo o Anderson, mas apoio muito a decisão do Renato. Espero que ele dê uma chance pro Thiago e que eles se conheçam e desenvolvam uma boa relação, gostei dessa dinâmica deles e acho que vai acrescentar positivamente na história! É isso que o renato merece, alguém bobo mas que goste muito e se atente as opiniões e sentimentos dele, e sem contar que as vantagens é que ele trabalha em VR, é amigo do irmão dele e pelo visto tem dinheiro, vai combinar muito com o Rê!!
Responder↴ • uid:1ddgk1ue3cu1Marcio: Perfeito. Manuel sendo mais escroto, pqp que cara mala. Anderson se arrependeu, mas Renato tá certo em se priorizar. Ele tem que ver as oportunidades além de Anderson. Gostei do lance com Thiago, acho que tem que desenrolar mais e provar a química dele.
Responder↴ • uid:81rj3yhhraEdson: Excelente episódio! Acho complicado esses humores do Anderson, mas também excitante. Viver com ele certamente não é sinônimo de monotonia rsrs. Mas relacionamento à distância (VR x Joinville) não sugere continuidade, ou seja, não se vê futuro nessa relação sem que estejam juntos. Há ainda esse distanciamento de Anderson, esse silêncio por quatro meses após o rompimento com Renato, até o casamento de Ricardo e Letícia, e esse comportamento desconexo de sua fala do passado sobre serem somente primos, e agora, quando abordou o Renato com quase juras de amor.
Responder↴ • uid:1cu5b21hwm2vPassRabao: Virou dorama
Responder↴ • uid:16mxgxx9s46aBreno: Luiz não precisa mudar o nome não sabemos que é você por ser o único que reclama enfim espero que você encontre uma rola.de 30 cm e der o cu meia hora de relógio parado
• uid:1ekq847wytk6ALISON: Amei esperando o casamento do renato e anderson
Responder↴ • uid:1e5lc7ur3cgjMatheus Interior: Pena que você vai demorar uma eternidade para postar novamente... Massa como não tem outro jeito, estarei aqui esperando.
Responder↴ • uid:1cs4bmgxwl2pjulius: nao deixa muito tempo sem postar, seus contos são os melhores, cada vez mais da vontade de ficar lendo
Responder↴ • uid:1dy5hdj6lceoRBD: sem duvidas, o melhor conto que acompanho desde o inicio, voce ta de parabens em cada capitulo, so não demora muito pra postar kkk e o meu conto favorito
Responder↴ • uid:1dy5hdj6lceoCaiçara: Como estava ansioso por esse capítulo, perfeito não demore mais
Responder↴ • uid:fi07cbmm4Caiçara: Como estava ansioso por esse capítulo
Responder↴ • uid:fi07cbmm4Beto: Tá mais pra im livro que um conto falta o principal
Responder↴ • uid:1ehwvakyfp3xBoy: Finalmente mais um capítulo!
Responder↴ • uid:3nwp9tuifii...: Deixou de ser conto erótico e virou novela mexicana adolescente.
Responder↴ • uid:1dsiclph3bqac: o que mais tem são contos eróticos nesse site,deixa de ser chata bixa velha nojenta
• uid:1e0cwg6ok7oiBreno: Luiz como sempre reclamando da vida
• uid:1ekq847wytk6